Jornais impressos e a sede destroçada do Diário da Manhã
25 outubro 2025 às 21h00

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Há poucos dias, ao passar por uma repartição pública, vi exemplares de “O Popular” e do “Diário da Manhã” numa mesa. Há muito não lia nem via a edição impressa de ambos.
Pedi licença às secretárias, sentei-me, talvez por uns trinta minutos, e li cerca de seis reportagens e senti o cheiro tênue de tinta.
Não vou comentar as reportagens — pelo menos duas bem-escritas e de interesse público, e sim relatar que me senti, quem sabe, de volta ao passado. Ainda assim, a sensação não foi de “velhice” — de coisa superada —, e sim de “frescor”.
As edições do “Pop” e do “DM” estão mais finas do que nos tempos áureos do jornalismo impresso. Há poucos anúncios e as reportagens estão mais curtas. Não circulam mais no formato standard. Assim como o “Estadão”, seguem o modelo do Jornal Opção (que ainda tem sua versão impressa) — o formato germânico ou berliner (com poucas alterações).
Por momentos, ao deixar os jornais em cima de uma mesinha — ninguém os consultava; todos estavam plugados em seus celulares (dei uma olhada furtiva, e percebi que as pessoas estavam nas redes sociais e ao menos dois viam vídeos, sem o som, aparentemente) —, lembrei-me de meus tempos no “Diário da Manhã”.
Comecei a trabalhar no “DM” em fevereiro de 1987 — há 38 anos — na editoria de Economia, sob a chefia do poeta Gilson Cavalcante. O editor, boa praça, dizia: “O que faremos hoje?” Cada um apresentava sua pauta e a gestão compartilhada e meio anárquica funcionava. Minha companheira de reportagem era Elaine Ponchio.
Nós usávamos uma Kombi tão velha que o piso, esburacado, permitia que entrasse água e molhasse nossos pés. Um dia, ao fazer a cobertura da Acieg, o veículo não ligava. Eliane Ponchio ficou dentro do carro e eu saí para empurrá-lo. Até o motorista, que era epiléptico, saiu para me ajudar. Segurava o volante e, ainda assim, empurrava.
Certo dia, quando já havia sido promovido a editor do “DM Revista” (com o apoio de Renato Dias, criei o extinto “DMDebate”), sou chamado à sala do editor-proprietário Batista Custódio.
“Menino, este é o Washington Novaes, ex-editor da Globo”, apresentou-me Batista Custódio a um homem circunspecto de barba. Eu já o conhecia, pois havia sido o paraninfo de minha turma na formatura em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás.
Washington Novaes havia apreciado meu discurso de formatura, feito de improviso, e, ao passar pela redação, me escolheu, de cara, para auxiliá-lo na feitura de um caderno — na verdade, um livrão — sobre a Ferrovia Norte-Sul, um dos símbolos do governo Sarney.
Comecei como repórter e escrevi e reescrevi dezenas de textos e terminei como editor assistente, ao lado da notável jornalista e escritora Eloí Calage, de quem me tornei amigo.
Certa vez, eu e Eloí Calage fomos à casa do maestro José Eduardo Morais (morreu em 2021, aos 66 anos). O brilhante compositor, produtor e arranjador nos recebeu com fidalguia. Quando Eloí Calage pediu para usar o banheiro de sua residência, o músico ficou desconcertado. Pediu um tempo e, ao voltar, disse: “É ali”. A jornalista me disse: “Me parece que os goianos têm vergonha de seus banheiros”.
O caderno foi escrito, editado (o então diagramador Antônio Só sabe como foi difícil finalizá-lo, afinal eu havia me tornado um exército de um homem só) e publicado. Foi lançado no Castro’s Hotel com a presença de autoridades dos governos de José Sarney, o presidente da República, e de Henrique Santillo, o digno governador de Goiás.
O dinheiro do caderno, pago pelo governo federal e pelo governo estadual, foi extremamente útil para que o “Diário da Manhã” deixasse a sede de Campinas — na Avenida 24 de Outubro — e ocupasse a nova sede, no Setor Leste Universitário, na Avenida Anhanguera, nas proximidades da Praça da Bíblia.
A sede foi reformada e, como se dizia, ficou um brinco — para a alegria de todos, notadamente de Batista Custódio. Júlio Nasser — que sempre fez muito pelo “DM”, mas raramente teve seu trabalho reconhecido (o jornal era para BC brilhar) —, ao lado de Mirna Brandão, foi um dos principais responsáveis pela mudança bem-sucedida.
Dei minha pequena contribuição, como repórter, redator e editor — e até revisor (Antônio Só pode comprovar que tive de revisar até material que há havia sido “fotolitado”, e sem revisão) — para tornar o caderno sobre a Ferrovia Norte-Sul possível. Portanto, de alguma maneira, contribuí para recuperar a nova sede do jornal.
A história voltou ao meu cérebro porque recentemente vi um vídeo da antiga sede do jornal. É o retrato do abandono. Uma verdadeira tapera que parece ter sido destroçada por um terremoto. Liguei para Júlio Nasser, jovelho amigo, e conversamos a respeito. Ficamos tristes, emudecidos. A sede foi “dada” em pagamento a dívidas trabalhistas. Não é mais da família Nasser-Custódio.
Contam que moradores de rua tomaram conta da sede, como se fosse uma expropriação. Alguns deles roubaram até fios de energia elétrica para vender.
