A imprensa está com dificuldade de analisar a guerra entre Israel e o Hamas, no Oriente Médio. Se o articulista expõe uma posição moderada, examinando variantes, é “acusado” pelas partes. Ao se posicionar, um comentarista passa a ser chamado de “antissemita”. Outro analista, se condena o ataque do Hamas em Israel, é tachado de “genocida” por aqueles que são pró-palestinos.

Então, é mais adequado, para não ser patrulhado pelos apoiadores dos contendores, ficar silente? Trata-se de uma posição cômoda, típica dos tempos modernos — quando se exige que o repórter (ou analista) se “atenha” aos fatos. Como se fatos fossem “neutros” — néctar dos deuses — e não se pudesse ter opinião matizada ou posicionada a respeito deles.

O que fazer, diria o “marxiano” Lênin, ante a estupidade do que ocorre no Oriente Médio? Reagir com mero suspanto? Talvez não.

“Saturno devorando um filho”, de Francisco de Goya

De cara, é preciso dizer, sem meias palavras, que os xiitas do Hamas, organização financiada e armada pelo Irã, são terroristas. Seus membros não querem dois Estados — o palestino e o israelense. Na verdade, querem destruir Israel. É sua meta principal, quiçá única.

Se entrou em Israel e matou dezenas de pessoas, o Hamas encontrou o que procurava: uma guerra sem quartel contra o país dos escritores Amós Oz e David Grossman.

Que ninguém se engane: o Hamas não é composto de amadores, românticos e irrealistas. Ao atacar Israel, ou seja, dentro do território de Israel, seus líderes sabiam que, doravante, seriam vítimas de uma imensa caçada humana.

Se o Hamas sabia que Israel iria entrar na Faixa de Gaza, barbarizando, por que atacou o país dirigido por Benjamin Netanyahu? Primeiro, porque queria matar israelenses — numa operação de castigo mesmo. Segundo, porque a reação de Israel, igualmente castigadora — é óbvio que se sabe que, quando se bombardeia em larga escala, não se mata apenas terroristas —, era esperada. É provável que o Hamas, numa espécie de risco calculado, quis mostrar ao mundo (sobretudo aos árabes, aos que se “esqueceram” do passado), cuja atenção está concentrada no Oriente Médio, quais são os métodos de Israel, sua violência, barbárie e falta de limites.

Pintura de Mike Davis

Estou dizendo que, a rigor, o Hamas não está preocupado com o sofrimento dos palestinos que estão sendo bombardeados pelas tropas de Israel? É provável que, sendo palestinos, os integrantes do Hamas até sofram com o que está acontecendo. Porém, fica-se com a impressão de que queriam exatamente isto, sobretudo ampliar a animosidade dos árabes com os israelenses.

No momento em que, sob intermediação dos Estados Unidos, Israel estava “normalizando” suas relações com países do Oriente Médio — como a Arábia Saudita (que, sunita, não mantém boas relações com o Irã, xiita) —, o Hamas, ao “atrair” os israelenses para Gaza, numa ampla operação punitiva, colocou “areia” nas negociações.

Afinal, se está castigando palestinos — inclusive inocentes —, Israel estaria mandando um recado: “não” mudou, quer dizer, não quer paz. Quem, portanto, estaria com razão? Ah, sim, o Irã, o Hamas, o Hezbollah (também financiado pelo Irã), a Jihad Islâmica e a Síria.

A “devolução” da dor

Como avaliar o que Israel está fazendo na Faixa de Gaza, com bombardeios ferozes, que matam dezenas de palestinos? Por mais que se diga que se está caçando o Hamas, o que está se caçando, de verdade, são palestinos (e a maioria pouco tem a ver com o grupo terrorista). Fica-se com a impressão de que, para matar cerca de 10 militantes do Hamas, pode-se matar centenas de palestinos comuns, pessoas que, no fundo, querem apenas viver em paz.

Se os ataques ao Hamas são justificáveis — são, de alguma maneira, “defensivos”, dado o ataque anterior, quando centenas de Israelenses foram mortos e mais de 200 se tornaram reféns —, a matança indiscriminada de palestinos não tem lógica alguma. Portanto, não pode ser justificada.

É preciso criar uma resistência transnacional com o objetivo de parar a matança de palestinos em Gaza. Estados Unidos, Alemanha, Brasil, Inglaterra, França, China e Rússia têm o dever de pressionar Israel. Aqui e ali, ouve-se que a Organização das Nações Unidos é “omissa”. Na verdade, ruim com a ONU, mas, sobretudo, pior sem a ONU. Os debates, que parecem infrutíferos, acabam por ser alertas ao mundo sobre o que está acontecendo em Gaza — onde pessoas comuns estão morrendo não porque pertencem ao Hamas, e sim por que são palestinas.

A posição moderada do presidente Lula da Silva — irrealistas avaliam que o governante patropi tem simpatia pelo Hamas, o que não é fato; talvez tenha simpatia pelos palestinos, o que não quer dizer que não tenha simpatia por Israel — é correta. Não será fácil parar a guerra — se se pode falar em guerra, quando apenas um lado está atacando em grandes proporções. Mas é um dever dos estadistas globais trabalhar pela preservação de vidas. É preciso conter os senhores da morte.

Diz-se que a matança na Faixa de Gaza — uma operação-vingança, e não uma operação meramente política — pode contribuir para uma guerra ampliada no Oriente Médio, que todo mundo sabe como começou, mas não se sabe como terminará. O Irã é poderoso — não é o Hamas. Se aliado à Síria e ao Hezbollah, força militar xiita baseada no Líbano, o Irã pode provocar estragos em Israel.

A presença de americanos no Oriente Médios, com navios de guerra e muitas armas — posicionando-se em defesa de Israel —, tem como objetivo “segurar” o Irã (assim como a Síria), dissuadir o país dos aiatolás de atacar os israelenses.

Como a política tem seu componente irracional (vale lembrar que o Iraque de Saddam Hussein ousou desafiar os Estados Unidos), há a possibilidade de o Irã e a Síria se articularem para atacar Israel de maneira ampliada? Não se sabe. Mas os dois países, notadamente o Irã, podem “desobedecer” os EUA de Joe Biden e, de repente, se envolver numa guerra ampliada no Oriente Médio. Os governos do Irã e da Síria abominam a nação de William Faulkner e Philip Roth. Ressalte-se que o povão dos países do Oriente Médio que são aliados dos Estados Unidos não tem qualquer entusiasmo e apreço pelo país das escritoras Eudora Welty e Joyce Carol Oates.

O Oriente Médio vai se “acalmar”? Alguém trabalha para isso? Mesmo que se alcance alguma paz, sob mediação americana e russa (por mais maquiavélico que Vladimir Putin seja, neste momento, pode ter um papel positivo na região — como pacificador, por incrível que possa parecer), atos terroristas vão explodir aqui e ali.

Se Israel quiser um pouco de paz, depois de mostrar força — uma força excessiva, na Faixa de Gaza, com uma matança indiscriminada (insista-se: não se está matando apenas líderes e militantes do Hamas) —, então é hora de parar.

É fato que, depois de ser invadido, de ter centenas de mortos em suas próprias terras, Israel, até para evitar ataques parecidos — agora ou no futuro —, não tinha como ficar inerme. Precisava dar uma demonstração de força, atacando o Hamas diretamente, e, para tanto, atingindo os palestinos em geral. Porque o realismo é isto (e discordo dele): Israel sabe que não está atacando apenas os terroristas do Hamas. Sua operação-vingança visa atingir (está atingindo) também os palestinos, afinal o Hamas, ao atacar em Israel, matou civis que não participavam de nenhuma batalha. Os palestinos estão sofrendo na pele — e até em maior escala — o que os israelenses sofreram. É, digamos, a “devolução” da dor. É o “recado” verdadeiro.