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Em momentos de conflagração política, é preciso manter a calma, a serenidade e a capacidade de reflexão para além do discurso de “todo mundo está dizendo”, e, se é assim, deve ser verdade. Num programa de televisão, de uma grande rede, fala-se (ou falava-se) tanto em “vocação golpista” das Forças Armadas que os telespectadores devem ter pensado: os militares já tomaram o poder.

Faltou a parte da imprensa, a que insistiu a respeito da suposta vocação golpista das Forças Armadas, fazer uma pergunta básica: se Jair Bolsonaro passou os quatro anos de sua Presidência sugerindo a possibilidade de golpe — que poderia ser feito com um cabo e um soldado, segundo o “marechal” Eduardo Bolsonaro — e o putsch não foi dado, o que terá acontecido?

Bolsonaro colocou milhares de militares das Forças Armadas no governo, remunerando-os com ótimos salários. Por que, ainda assim, os militares optaram por não golpear a democracia e transformar Bolsonaro no Vladimir Putin dos Trópicos? Parte da imprensa, talvez a maioria, como não ousou fazer a pergunta, não teve como tentar respondê-la.

Por que a imprensa — parte dela, insista-se — não percebeu a vocação democrática das Forças Armadas, que rejeitou o convite, insistente, do bolsonarismo para executar um golpe? Porque às vezes estriba suas análises em lugares-comuns, em verdades dormidas e pródigas em preconceito, por vezes sem o exame do quadro específico. O fato de se ter uma tradição golpista, desde a Proclamação da República — passando por 1930, 1937, 1945, 1964 —, permite concluir que, mais uma vez, se teria um putsch? É evidente que não.

Jornalistas falam muito em ciência, fazem a sua defesa, mas, ao escreverem, nem sempre se comportam como filhos dela. Por isso acabam por repetir preconceitos e, não raro, deixam de perceber quadros novos apresentados pela realidade da circunstância. Os bastidores das Forças Armadas, suas fissuras — as “lutas” entre golpistas e democratas —, não apareceram nos jornais, eventualmente “O Estado de S. Paulo” captou alguma coisa (quando disse que o Alto Comando rejeitava golpe de Estado).

A impressão que se tem é que nós, repórteres, talvez por mero preconceito, perdemos contato com militares de alta patente, de coronel a general. Por isso se trabalha com informações “velhas” que são apresentadas aos leitores como “novas”. Sobre os militares há mais opiniões — estribadas em velhas opiniões formadas sobre tudo (remember Raul Seixas) — do que informações objetivas. Estudiosos atentos dos militares também não foram ouvidos com a devida atenção. São ouvidos aqueles que dizem o que a imprensa quer ouvir.

Onde estava o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste e, agora, comandante do Exército, que a imprensa não percebeu? Ele estava falando em off com algum repórter? Se estava, porque, mesmo preservando o sigilo da fonte, suas opiniões não foram expostas? A imprensa precisa observar e descrever as Forças Armadas com mais atenção e menos preconceito.

A fala democrática do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva ecoou em todo o país e o “Jornal Nacional” fez bem em abrir espaço para o militar. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é do regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urnas”, disse o militar. Bati palmas invisíveis…

Tudo indica que golpistas mesmo eram civis, como Jair Bolsonaro, seus filhos (notadamente Eduardo Bolsonaro) e Anderson Torres. Os militares, como Forças Armadas, não queriam golpe. Se quisessem, teriam tomado o poder no dia 8 de janeiro, num domingo, quando grupos organizados — e com certa anarquia — invadiram o Palácio do Planalto, o Palácio da Justiça e o Congresso.

Recomenda-se aos leitores que confiram os editoriais e alguns artigos dos repórteres do Jornal Opção. Vão encontrar coerência analítica o tempo todo.