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Os acessos dos jornais e revistas caíram, no Brasil, de maneira dramática. Aponta-se, no geral, que o problema estaria no Google.

Com suas mudanças tecnológicas frequentes, o Google estaria divulgando menos as reportagens dos jornais. Há, de fato, uma batalha, e não apenas no Brasil, entre o Google e jornais e revistas. Porque, apesar de indexar reportagens produzidas por terceiros, não os remunera, ao menos na proporção minimamente adequada.

O Google opera com notícias originárias de jornais, revistas e sites — que investem recursos massivos na produção de seu material — como se fosse coautor. Por isso, fatura dinheiro (e audiência para si) com o material alheio e, direta ou indiretamente, contribui para reduzir o faturamento e a audiência das empresas produtoras de informações de qualidade.

O Google se tornou, de alguma maneira, um gigantesco jornal, mas com custo mínimo. Paradoxalmente, para não permitir que seu acesso caia ainda mais, jornais, revistas e sites eventualmente pagam pra revitalizá-lo.

Quer dizer, mesmo produzindo notícias, a um custo alto, jornais, revistas e sites acabam tendo de pagar para anabolizar a audiência.

O problema descrito não atinge apenas jornais, revistas e sites do Brasil. Trata-se de um problema universal. Experts sugerem que o problema pode se agravar e que é melhor as publicações aceitarem uma audiência menor para não se subordinarem ainda mais ao Google.

No momento, para cair nas graças do Google, há jornais que criaram editorias para publicar material exclusivo para ser indexado pelo portal de busca da big tech.

Há jornais que se especializaram em reportagens sobre cobras (sucuri e jiboia na linha de frente), animais fofos (cachorros e gatos), listas de livros, filmes e séries e refúgios turísticos. Porque, em tese, é o que o Google — o Discover — quer. Há editores usando inteligência artificial com o objetivo de forjar reportagens — na verdade, recortagens — de exclusivo interesse do Discover.

Sam Altman, CEO da OpenAI: a empresa que dirige é acusada de pirataria digital pelo “New York Times” e pela “Folha de S. Paulo” | Foto: Reprodução/OpenAI

IA pesquisa onde é mais fácil obter bons resultados

Mas o problema não é apenas o Google. Os sistemas de inteligência artificial estão, por assim dizer, “afanando” as publicações globais. “Furtando” o material jornalístico e, ao mesmo tempo, audiência.

Os leitores, quando usam as plataformas de inteligência artificial, estão, naturalmente, em busca de resultados sérios, frutos de pesquisas qualitativas e originais. Porém, nem sempre é assim que funciona.

Quem pesquisa, obtendo textos produzidos por inteligência artificial, às vezes acredita que recebeu um texto original que, extraído de vários locais, não seria, a rigor, tributário de nenhuma publicação.

Porém, não é bem assim que as coisas funcionam. As plataformas estão pesquisando, no geral, em sites confiáveis. De lá, retiram as informações e repassam aos leitores.

Em 2023, o “New York Times” processou a OpenAI, de Sam Altman, alegando que a empresa havia violado seus direitos autorais.

Na denúncia, o “Times” sublinhou que deveria receber indenização porque a OpenAI copiou e usou, de maneira ilegal, seu “valioso conteúdo”.

O jornal americano, na mesma ação, exige que “a OpenAI destrua os modelos de inteligência artificial que usaram seu material protegido”.

Ao contrário da OpenAI, a Amazon remunera o “Times”. Porque seu sistema de inteligência artificial usa o material produzido pelo jornal. O valor pago, anualmente, é de 117 milhões de reais.

Folha processa a OpenAI de Sam Altman

Na sexta-feira, 22, a repórter Patrícia Campos Mello publicou, na “Folha de S. Paulo”, uma reportagem, sob o título “Folha entra com ação contra OpenAI por concorrência desleal e violação de direitos autorais”.

Na ação, impetrada na quarta-feira, 20, a direção da “Folha” exige que a OpenAI “pare de coletar e usar, sem autorização e pagamento, o conteúdo do jornal”.

O jornal paulista cobra também “o pagamento de indenização por uso indevido das publicações para treinamento de modelos de IA e por fornecer aos usuários resumos e reproduções na íntegra de conteúdo jornalístico, inclusive artigos restritos para assinantes, sem autorização nem pagamento”.

Na ação, a “Folha” denuncia que a OpenAI faz “concorrência desleal” e viola seus “direitos autorais”.

“O réu desenvolve e aprimora sua ferramenta de AI […] com base em conteúdo alheio […] sem autorização e sem o pagamento de qualquer remuneração”, assinala a ação movida pela “Folha”.

O jornal frisa que, “em resposta a prompts (comandos) dos usuários”, o ChatGPT “reproduz reportagens na íntegra no mesmo dia em que são publicadas, o que desvia ‘a clientela’ — no caso, os internautas — de forma ilegítima”.

Trata-se de uma espécie de “pirataria” a partir do uso de uma tecnologia sofisticada. O material que tem “dono” passa a não ter dono algum. Ou melhor, a OpenAI leva a fama pelo que não produziu. Os velhos piratas dos mares foram substituídos por piratas tecnológicos? É o que parece.

A advogada da “Folha”, Taís Gasparian, denuncia que “há uma nítida prática de concorrência desleal, na medida em que a OpenAI acessa o site da ‘Folha’ diariamente, driblando os mecanismos do jornal para que isso não ocorra, e distribui o conteúdo para os internautas, com isso tirando a audiência do jornal. As tecnologias que a ‘Folha’ adota para impedir a prática são solenemente ignoradas ou contornadas pelo réu”.

Só a “Folha” é surrupiada pela IA? Não. O jornal “O Globo” também já denunciou o uso de material de maneira pirateada. Os demais jornais, mesmo que não saibam, porque não se atentaram para a questão, provavelmente estão “trabalhando” para as empresas de IA. E, certamente, há jornais e revistas publicando material produzido por IA, nem sempre com o devido alerta aos eleitores, como se fosse criação própria. Adiante, poderão ser denunciadas por plágios ou semi-plágios? É provável.

A reportagem de Patrícia Campos Mello ressalta que, “apenas no mês de julho, a ‘Folha’ registrou mais de 45 mil acessos a seu site feitos por GPT bots, cuja finalidade declarada é o treinamento de modelos da empresa”.

A “Folha” arrola, na ação, “exemplos em que o ChatGPT reproduz na íntegra ou resume reportagens em resposta a prompts dos usuários. Muito desse conteúdo está sob paywall, ou seja, é restrito para assinantes. E, mesmo assim, é vedada a reprodução do conteúdo sem pagamento de direitos”.

Taís Gasparian enfatiza, com razão, que, “para que sobreviva, a imprensa precisa ser remunerada, não sendo possível que o aproveitamento do seu conteúdo seja feito sem qualquer remuneração ou autorização. A OpenAI se aproveita de todos os investimentos que a ‘Folha’ faz para veicular notícias atuais e fidedignas, sem qualquer contraprestação”.

A OpenAI não quis negociar com a “Folha”, afiança a reportagem de Patrícia Campos Mello. “O último email enviado” pelo jornal “ficou sem resposta, o que reforça a atitude de descaso do réu”.

Então, a queda de audiência de audiência (tráfego) de jornais, revistas e sites tem a ver com os “controles” do Google — que estaria dando uma “lição” as publicações globais (tipo: “Nós podemos aumentar ou diminuir sua audiência”) —, mas também à usurpação praticada pelas plataformas de inteligência artificial. A AI é, por assim dizer, só um pouco mais sofisticada do que o sistema de busca. Porém, é igualmente danosa para as empresas de comunicação.