Golpistas, escutem o “silêncio” dos quartéis: não vai ter golpe. Porque o Exército não quer
03 novembro 2022 às 10h39

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Para os democratas João Cezar de Castro, Talmon Pinheiro, Antônio Macedo, Candice Marques, Elder Dias, Luiz Mauro Silva, Francisco Barros, Carlos Willian, Cláudio Curado, Raul Belém Filho e Patrícia Moraes
O Brasil republicano já teve vários golpes de Estado: 1889, 1930, 1937, 1945, 1964.
Em agosto de 1954, o suicídio do presidente Getúlio Vargas evitou o putsch da direita.
Em seguida, para evitar a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, uma união entre militares e civis tentou um golpe, que deu errado por causa da interferência do marechal Henrique Lott, que, por meio de um contragolpe, segurou os golpistas.
Em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renunciou, houve uma tentativa de golpe, e, de novo, com militares e civis irmanados para impedir a posse do vice-presidente, João Goulart, do PTB (sim, o de Roberto Jefferson, só que, na época, sério e democrático).

Houve uma tentativa de golpe contra um general, na ditadura, que é muito pouco comentada. O grupo do ministro do Exército, general Sylvio Frota, planejou derrubar o general-presidente Ernesto Geisel — tido como moderado, por ser da linha da Sorbonne militar — e até bombardear o Palácio do Planalto. (Vale lembrar que, quando perguntado por que havia decidido acabar com a ditadura, Geisel não titubeou: porque o regime havia se tornado uma bagunça e não era tão diferente dos governos civis.)
Há uma característica que identifica todos os golpes e quase-golpes no Brasil. Em todos, sem exceção, o Exército esteve na linha de frente. A Marinha e a Aeronáutica, embora relevantes, não tiveram, em nenhum deles, papel decisivo. Estiveram presentes, mas não foram protagonistas.

No momento, o silêncio do Exército é ensurdecedor. Os golpistas que estão nas ruas — não se trabalha mais neste país? — precisam “ouvir” aquilo que, embora não dito, é extremamente “barulhento”; portanto, significativo: o Exército n-ã-o quer e n-ã-o vai participar de nenhuma aventura golpista. É o que diz o silêncio dos generais, dos coronéis, dos majores, dos tenentes, dos sargentos, dos cabos e dos soldados.
Só se tem golpe de Estado no Brasil quando estão envolvidos coronéis e, sobretudo, generais da ativa. Repetindo, o Exército. Os golpistas das ruas, que estão se divertindo — curtindo férias, quem sabe —, não conseguiram o apoio de nenhum coronel e de nenhum general da ativa. Então, o que se pode dizer, sem receio de errar, é que estão brincando de nacionalistas e de direitistas. Sabe aqueles cozinhadinhos de crianças? Pois é: embora seja grave o que estão fazendo, os golpistas embandeirados estão brincando de cozinhadinho. O que fazem — insistamos, embora grave — nada tem de sério.

Há empresários golpistas na história do Brasil, desde sempre. No momento, há vários — nenhum, a rigor, de primeira linha (pode-se falar em “lumpemproletariado” do meio empresarial? Tudo indica que sim. Aquele empresário que se fantasia de papagaio, por exemplo, não tem a estatura de José Mindlin e Antônio Ermírio de Moraes, infelizmente, falecidos). São as chamadas vivandeiras, aqueles civis que vivem nas cercanias dos quarteis tentando mobilizar militares para aventuras golpistas. Um deles, o jornalista e político Carlos Lacerda, deu-se muito mal. Articulou o golpe de 1964, achou, equivocamente, que seria candidato a presidente, em 1965, e acabou cassado pelos militares. Ficando sem pai nem mãe.
Entre a turma que está nas ruas, brincando de cozinhadinho com a história do país, há desde irresponsáveis — que pedem ditadura e mal sabem que, depois, terão de pedir para a ditadura “sair” (em 1985, nem os militares aguentavam mais a ditadura) —, grupos mal-intencionados (os tais empresários do golpismo) e inocentes-úteis.

Os inocentes-uteis são a maioria. Estão nas ruas, nas portas dos quartéis, mas sem saber direito o que fazem. Tratam-se daqueles que, pós-ressaca, vão se apresentar como “decepcionados” com tudo e com todos, inclusive com o presidente Jair Bolsonaro, que “não” optou pelo golpe, embora não o tenha “desautorizado”.
Voltando aos quarteis. Todos estão silentes. Muito silentes. E o silêncio deles, repetindo, é barulhento. Porque estão dizendo, sem alarde, que não se interessam por golpe de Estado. Por vários motivos.

Primeiro, porque o Exército atual é um dos mais bem preparados da América Latina, sobretudo intelectualmente, e sabe que uma aventura golpista não teria o apoio do mundo civilizado e democrático. Pelo contrário, seria condenado de imediato. Eles sabem que, no momento, o Brasil é globalmente considerado um pária e, com um golpe, se tornaria um super pária.
Segundo, os generais, assim como almirantes e brigadeiros, sabem que a maioria dos brasileiros não quer golpe de Estado. A maioria dos eleitores de Bolsonaro, por exemplo, não flerta com o golpismo e, mesmo, com a direita política. Votou mais contra Lula da Silva, do PT, do que pró-Bolsonaro.

Terceiro, os militares, que conhecem a história do Brasil (não conheço um militar acima de coronel que não saiba quase tudo dos acontecimentos do país) — golpistas das ruas, fantasiados de papagaios de asas cortadas, mal conhecem a verdadeira história de Bolsonaro (que foi punido pelo Exército por indisciplina grave) —, sabem que, quando uma ditadura termina seu “ciclo”, são condenados pela história.
Em 1964 e 1985, os militares governaram o país irmanados com dezenas de civis proeminentes. Quando a ditadura acabou, em 1985, os males da ditadura ficaram para os militares. Porque os civis correram para o lado dos democratas e, rapidamente, se tornaram “democratas” (alguns deles: Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, Delfim Netto e José Sarney). A ditadura foi civil-militar, mas os civis que a apoiaram preferem nominá-la apenas de “militar”. Querem se livrar da pecha de irmãos siameses dos militares golpistas e ditatoriais.
Quarto, os militares estão mais preocupados com as Forças Armadas, com sua imagem, do que em “salvar” Bolsonaro. E, afinal, “salvar” do que mesmo?

Então, resumindo: o silêncio dos militares significa o óbvio: os generais e coronéis do Exército não querem saber de golpe de Estado. Os golpistas que estão nas ruas, se divertindo, por certo, são ridículos, pessoas do século 19 no tempo (o da democracia) errado. Daqui a pouco, vão virar chacotas de seus filhos, netos e sobrinhos. Afinal, tios-suquitas pró-ditadura — marchadores que fazem continência — são tipos absurdos. O jornalista Milton Jung disse: será que o Brasil está precisando de uma intervenção psiquiátrica? É o que parece. Porém, se há muita gente delirando, não se pode sugerir o mesmo dos generais e coronéis do Exército — que são racionais, lúcidos e democratas.

