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A GloboNews demitiu o comentarista Mauro Paulino e a apresentadora Daniela Lima. A comentarista Eliane Cantanhêde pediu demissão, de acordo com sua versão.

Como analista, Mauro Paulino, um ás para examinar pesquisas, parecia um peixe fora d’água. Fora de sintonia. Possivelmente devido a uma questão contratual, tenha sido mantido por algum tempo na GloboNews. Mas nunca correspondeu ao que se esperava de sua competência — foi diretor do Datafolha por vários anos.

Eliane Cantanhêde é uma das melhores analistas de política do país, dadas as fontes privilegiadas que conquistou ao longo de carreira profissional e ao seu talento. Disse que deixou a GloboNews para não se estressar tanto, pois tem outras atividades. A jornalista tem 73 anos.

Eliane Cantanhêde: uma das mais qualificadas jornalistas do país | Foto: Reprodução

Recentemente, Eliane Cantanhêde cometeu um deslize: “Por que os mísseis de Israel destroem Gaza, matam milhares e milhares de pessoas e os mísseis que saem do Irã e efetivamente caem em Israel não matam ninguém?” A pergunta foi dirigida ao jornalista Jorge Pontual, baseado nos Estados Unidos.

A jornalista se explicou depois, mas passou a impressão de que queria que os misseis iranianos matassem israelenses. A rigor, apesar do impacto negativo, a pergunta era, tecnicamente, lícita.

Na sua trajetória profissional, notadamente na “Folha de S. Paulo”, como repórter e comentarista, Eliane Cantanhêde se comportava como porta-voz da esquerda, do petismo? Não. Sempre foi uma profissional de seriedade exemplar nas reportagens e análises. E não mudou.

O bolsonarismo, com o ex-presidente Jair Bolsonaro na linha de frente, dados seus excessos, “desestabilizou” a objetividade do jornalismo patropi? Parece que sim. Mas, se o programa “Em Pauta” é um espaço para opiniões, Eliane Cantanhêde, assim como seus colegas, agiu corretamente. Posicionava-se.

Demétrio Magnoli: o comentarista critica a direita, a esquerda e o centrão | Foto: Reprodução

Se a cúpula da GloboNews queria críticas mais “equilibradas”, por que não orientou seus profissionais? Durante o governo de Jair Bolsonaro, que era francamente contra a Globo e o bolsonarismo criou a história da “Globo lixo” — ecoando a esquerda no passado —, a rede de televisão parece ter liberado sua equipe para críticas acerbas à gestão do político da direita. Agora, recuou?

Os comentaristas Demétrio Magnoli, Maria Cristina Fernandes (uma craque que precisa ser mais bem aproveitada) e Joel Pinheiro certamente são de esquerda, ao menos não são de direita. Mas são, por certo, os que representam, quem sabe, o novo modelo de analista sugerido pela GloboNews. Ambos são críticos do bolsonarismo, do golpismo, mas também são críticos do governo do presidente Lula da Silva, do PT.

Demétrio Magnoli ganhou um “aliado” em Joel Pinheiro, inclusive nas críticas a determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal. Os dois, notadamente o primeiro, sempre enfrentaram certa resistência por parte de alguns colegas, sobretudo aqueles que, em tese, estariam mais à esquerda, como Eliane Cantanhêde, Gerson Camarotti (na verdade, ponderado) e Flávia Oliveira. Marcelo Cosme alinha-se ao trio.

Joel Pinheiro Foto Divulgação
Joel Pinheiro confere pluralismo ao “Em Pauta” | Foto: Divulgação

O “Em Pauta” quase se tornou um programa unidimensional, mas, com a presença de Demétrio Magnoli e Joel Pinheiro, ganhou mais pluralidade. As críticas de ambos são distribuídas à esquerda e à direita.

O que dizer de Flávia Oliveira (que aprecio, principalmente nos comentários de economia), Jorge Pontual, Marcelo Lins, Guga Chacra (seus comentários sobre o Oriente Médio são precisos), Ariel Palácios, André Trigueiro (firme na questão ambiental), Ana Flor (crítica, mas ponderada) e Gerson Camarotti?

São integrantes de uma célula da esquerda na GloboNews? Não. São jornalistas solidamente posicionados. E é preciso entender que ser de esquerda ou ser de direita não é defeito. As diferenças precisam ser respeitadas pelos diferentes e pelos telespectadores, que, por certo, acreditam em “imparcialidade” jornalística — um mito de pés de barro — quando deveriam cobrar objetividade. (Jorge Pontual e Ariel Palácios, por sinal, são, no geral, dos mais objetivos e nem sempre se envolvem com problemas brasileiros.)

A demissão de Daniela Lima

Chegou a hora de falar de Daniela Lima. Por que foi demitida, depois de dois anos de casa? Não se sabe o motivo exato, certamente porque não disseram nada esclarecedor à repórter-apresentadora-comentarista.

Maria Cristina Fernandes 2 Foto Reprodução
Maria Cristina Fernandes: uma das mais competentes analistas de política do país; precisa ser mais bem aproveitada pela GloboNews | Foto: YouTube

A GloboNews deu uma explicação genérica, informando que está num processo de mudanças, que inclui a renovação de quadros. É plausível? É. Mas, ainda assim, não é um esclarecimento amplo — do tipo que um jornalista cobra dos cidadãos “comuns” ao fazer uma reportagem.

Ante a falta de uma explicação detalhada, os sites começaram um bombardeio sobre a causa da demissão, beirando à teoria da conspiração.

A partir de uma pesquisa, feita pela Quaest, teria se chegado à conclusão de que a GloboNews é de esquerda e, até, alinhada com o PT e o Psol. Daniela Lima seria, então, uma porta-voz da esquerda no canal global? Era e é crítica do bolsonarismo, mas, avaliá-la como porta-voz do petismo, é de uma maldade gratuita.

Vera Magalhães tão craque quanto Eliane Cantanhêde | Foto: Reprodução

Por sua posição crítica, às vezes corrosiva, Daniela Lima certamente não agrada ninguém que esteja no poder (sobretudo homens?). O poder só aprecia os que o adulam. Havia um contencioso da jornalista com colegas? Sempre há, e não apenas no seu caso.

Gerson Camarotti se mostra visivelmente incomodado com as críticas contundentes de Demétrio Magnoli, sobretudo com seu ar irônico — aquele do mestre que sabe tudo e avalia que o oponente está sempre errado.

(Por sinal, o doutor da USP está mais moderado no trato com os colegas. Até Marcelo Cosme, o coordenador do “Em Pauta”, está menos resistente em relação ao colega. E sua função não é ficar do lado “a” ou “b”, e sim mediar o debate.)

Thaís Oyama: jornalista de primeira linha do país | Foto: Reprodução

A ideia, disseminada na internet, de que a Globo, depois de ter se tornado “esquerdista” — o que nunca ocorreu —, vai se alinhar à direita, talvez não ao bolsonarismo, é de um primarismo ímpar. A rede, notadamente na GloboNews, está buscando mais pluralidade, o que é positivo. E permanece crítica.

A Globo talvez esteja “marchando” para o centro, como defendia Roberto Marinho, seu criador.

Gabriel Vaquer, do UOL, publicou uma reportagem sob o título de “Globo demitiu Daniela Lima após pesquisa apontar GloboNews como ‘canal de esquerda”.

Ora, então a família Marinho deveria, não defenestrar a jornalista, e sim extinguir o canal.

Porque é risível alguém acreditar que Daniela Lima, no seu papel de apresentadora e comentarista, tivesse poder para influenciar a linha editorial da GloboNews.

Isabela Boscov: crítica de cinema arejada e sem preconceitos | Foto: Reprodução

Quem permitiu que, durante anos, os comentaristas do “Em Pauta” vergastassem a direita bolsonarista, o que soa como defesa da esquerda petista? Claro que não foram Eliane Cantanhêde e Daniela Lima, e sim o diretor de Jornalismo, porta-voz da família Marinho. As duas profissionais — do primeiro time — não foram responsáveis pela formatação do jornalismo do canal.

A pesquisa da Quaest, na versão apresentada por Gabriel Vaquer, teria constatado que “os assinantes consideram a emissora como um ‘canal de esquerda’. O público indicou que a linha editorial seria alinhada à narrativa de partidos como PT e Psol”.

Os telespectadores também não aprovam as “gracinhas” de alguns dos comentaristas. Tenho observado que, nos últimos dias, as gracinhas diminuíram.

A Globo disse a Gabriel Vaquer: “Ressaltamos o compromisso histórico da GloboNews com a pluralidade de ideias, ouvindo profissionais e pontos de vista variados que incentivem reflexões relevantes na sociedade”.

Por fim, por que ninguém divulga a famosa pesquisa da Quaest feita sob encomenda pela cúpula da Globo? Divulgada, derrubará, quiçá, as teorias da conspiração.

(Novidades à vista na GloboNews? Que tal as excelentes jornalistas Thaís Oyama e Vera Magalhães? Que tal comentários sobre filmes e séries feitos por Isabela Boscov?)