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O presidente Lula da Silva é de esquerda? É. O petista-chefe é comunista? Não. Porque nem todo mundo que é de esquerda é comunista.

A rigor, Lula da Silva é, no máximo, socialdemocrata. Com uma pegada, aqui e ali, socialista. Realista absoluto, sabe que, como presidente, gere um país capitalista, e não socialista. Por isso, com extrema habilidade, negocia com os empresários sem preconceitos. É mais aberto do que o PT.

O que Lula da Silva quer não é destruir o capitalismo, e sim melhorá-lo para contemplar a população mais pobre. No fundo, é um igrejeiro católico, da linhagem de dom Paulo Evaristo Arns e dom Claudio Hummes.

Fernando Morais capa de livro sobre Lula 1

De alguma maneira, seguindo Getúlio Vargas — com quem se parece muito, apesar das ideologias distintas — e João Goulart, o Jango, Lula da Silva é apóstolo de um capitalismo socialmente mais inclusivo. Mas não pensa em criar um sistema alternativo ao capitalismo, nem mesmo similar ao chinês.

No governo, Lula da Silva opera “investimentos” para atender os pobres, portanto para reduzir a pobreza — o que às vezes contraria parte das elites —, mas não deixa de colocar a estrutura do governo, com seus bancos, por exemplo, a serviço da reprodução capitalista. (Na disputa pelos recursos financeiros do Estado, uma “guerra” desigual entre pobres e ricos, os segundo levam ampla vantagem.)

Há quem aponte Lula da Silva, mesmo sendo de esquerda, como adepto de um “capitalismo nacional”. Daí a ideia petista de se criar campeões nacionais, ou seja, grandes empresários locais para competir noutros países. Tal se deu, por exemplo, no mercado da construção civil-empreiteiras, de estaleiros e da carne (a JBS da família Batista, de Anápolis, em Goiás). A proposta de reindustrialização do país tem a ver com socialismo? Nem na China.

Denise Paraná capa de biografia de Lula

Lula é um político camaleônico

Dada sua complexidade, com um pé na esquerda, mas navegando com mestria pelo centro político, Lula da Silva, de 79 anos — nascido em Caetés-Garanhuns, em Pernambuco —, é difícil de abordar.

Lula da Silva é meio camaleônico. É uma coisa num momento. E é outra coisa noutro momento. Manteve excelente relacionamento com George Walker Bush, quando o republicano era presidente dos Estados Unidos, porque é, acima de tudo, pragmático.

Nas conversas com George Bush, no lugar de parlar sobre ideologias — esquerda versus direita, marxismo versus liberalismo —, Lula da Silva falava dos negócios entre o Brasil e os Estados Unidos. Como sabe a China de Xi Jinping, negócios não têm nada de ideológicos. O que se quer, e os realistas tratam disso, é ganhar dinheiro. Por isso a política subordina-se à economia, ainda que por vezes não.

Por que rolou uma “química” entre Lula da Silva e o presidente dos Estados Unidos, Donald John Trump? Porque os dois são pragmáticos e, certamente, têm certo senso de humor.

Richard Bourne capa de biografia 1

Há políticos de direita e de centro que evitam se aproximar de Lula da Silva. Porque, dizem, temem ser “seduzidos”. O petista-chefe sabe ouvir e fala aquilo que o interlocutor quer ouvir. Nem sempre atende os pedidos — vários, pouco católicos —, mas, ao escutá-los com atenção e empatia, sugere que vai estudá-los. Sobretudo, trata bem dos decentes aos mais indecentes dos políticos e empresários.

Quem quer ser psicanalista não precisa (e não deve) ser amoral, mas precisa ouvir cuidadosamente a amoralidade humana e as dores profundas de mulheres e homens.

Lula da Silva, claro, não é psicanalista. Mas sabe que, se está no jogo, tem de ouvir os políticos, os reais — e não os sonhados ideais —, que pedem aquilo que, muitas vezes, não se devia pedir.

A vida real é dura com aqueles que são por demais rígidos e não admitem certa flexibilidade moral ou, acrescente-se, amoral. Lula da Silva sabe, mais do que a ex-presidente Dilma Rousseff, navegar pelos mares turvos da política, da vida. Exigir “perfeição” — a correção moral suprema — é rumar, a passos largos, para a sepultura política.

John D French biografia de Lula da Silva 1

As biografias do petista-chefe

Como biografar um personagem difícil de apreender, embora não pareça, como Lula da Silva — o político de esquerda que mais soube (sabe), na história do país, dialogar com o centro e a direita (rememorando que João Goulart, nacionalista, não era de esquerda, assim como não o era Getúlio Vargas)?

Denise Paraná talvez tenha apresentado a primeira pesquisa alentada, “Lula — O Filho do Brasil” (Fundação Perseu Abramo, 528 páginas). A pesquisadora levantou os dados básicos.

Como Lula da Silva não se aposentou, politicamente, a biografia escrita por Denise Paraná ficou desatualizada. É possível que tenha flagrado um Lula que, depois de certo tempo, se tornou “Lulas” — trezentos e cincoenta, como Mário de Andrade. Múltiplos.

O inglês Richard Bourne escreveu “Lula do Brasil — A História Real, do Nordeste ao Planalto” (Geração Editorial, 456 páginas, tradução de Paulo Schmidt e Bernardo Schmidt). Trata-se de uma biografia — igualmente desatualizada, porque publicada há vários anos — que beira à hagiografia e há vários erros. Mas merece ser lida, porque tenta explicar o indivíduo Lula da Silva na história do Brasil. Busca situá-lo.

Celso Rocha de Barros livro sobre o PT

“Lula e a Política da Astúcia — De Metalúrgico a Presidente do Brasil” (Expressão Popular, 688 páginas), do brasilianista John D. French, é, por certo, a biografia mais ampla do petista. Como Lula da Silva continua na política, o livro também se desatualizou. Mas permanece como a melhor — e não estou sugerindo que é excelente — biografia do red de São Paulo.

(Sobre o PT, filho de Lula da Silva, de operários e intelectuais de São Paulo e da Igreja Católica, o melhor livro é “PT — Uma História”, do sociólogo Celso Rocha de Barros,‎ Companhia das Letras, 488 páginas. Com uma pegada mais crítica pode ser consultado “Partido de Deus — Fé, Poder e Política”, de Luis Mir, Editora Alaúde, 678 páginas.)

Os leitores brasileiros e globais (até chineses) ganharam o primeiro volume do livro “Lula — Biografia” (Companhia das Letras, 563 páginas), de Fernando Morais, de 79 anos. Vendeu mais de 100 mil exemplares.

O que se espera de Fernando Morais, o autor de “Chatô — O Rei do Brasil” — a excelente biografia do empresário, jornalista e escroque Assis Chateaubriand? (A obra é uma radiografia densa tanto de um grande personagem quanto da história do país.)

Luis Mir livro sobre o PT

Espera-se muito, porque é um biógrafo categorizado. Mas o volume livro da biografia, se não chega a ser ruim, é densamente laudatório. Uma defesa de Lula da Silva e uma crítica cerrada à sua prisão. Não estou entre os que acreditam em imparcialidade, mas advogo que é preciso de um mínimo de objetividade e nuances. O que falta no “panfleto” apresentado como biografia. Talvez eu não esteja usando as palavras justas, mas me parece que faltou serenidade e, sobretudo, relativo distanciamento a Fernando Morais.

Agora, com Lula da Silva no poder, com sua história recomposta, certamente Fernando Morais, sem a obrigação de fazer sua defesa, talvez reconstrua sua vida com mais objetividade. Se acredito nisto? Sim. Apesar de discordâncias pontuais, não posso deixar de avaliar que o jornalista é um grande biógrafo, um pesquisador de primeira linha… e escreve muito bem. Conta as histórias como um prosador gabaritado.

Lula: investigado pelo FBI e CIA

Numa entrevista ao repórter Amilton Pinheiro, da “Folha de S. Paulo”, Fernando Morais conta que a biografia de Lula da Silva terá três volumes. O segundo volume chegará às livrarias em março de 2026. O terceiro “talvez em um ano e meio, dois anos no máximo”.

Lula e José Dirceu 1
Lula da Silva e José Dirceu: o primeiro dizia “degola” e o segundo vestia a roupa de Robespierre e expulsava petistas | Foto: Gustavo Miranda

Fernando Morais afirma que é “rápido em apurar, mas lento em escrever”.

Pesquisador infatigável, Fernando Morais tenta obter os 916 registros sobre Lula da Silva feitos pela CIA, pelo FBI e pela NSA.

De acordo com Fernando Morais, “Lula sempre teve dificuldades com as derrotas. Todas as derrotas o deprimem e de alguma maneira o induzem, no auge, a desistir da próxima”.

Em 1982, quando ficou em quarto lugar na disputa pelo governo de São Paulo, Lula da Silva, deprimido, consultou-se com Fidel Castro. O ditador cubano ressaltou que o fato de um operário ter recebido mais de 1 milhão de votos era significativo. O petista decidiu continuar a disputar eleições.

Na segunda parte da biografia, Fernando Morais relata que, em 1985, quando o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para presidente, Lula da Silva decidiu promover uma degola no PT. Chamou Robespierre — quer dizer, o operador José Dirceu — e exigiu a expulsão dos deputados federais do PT Bete Mendes, Airton Soares e José Eudes.

“Lula manda José Dirceu degolar os três. Dirceu era sua mão armada dentro do partido”, relata Fernando Morais.

A quase-aliança entre Lula da Silva e o tucano Tasso Jereissati, que seria seu vice, é destacada no segundo volume. “Ia sair uma chapa Lula na cabeça e Tasso na vice. Mas quis a história que o Plano Real fosse um sucesso e FHC vencesse as eleições.”

Se não fosse o Plano Real, o PT teria apoiado Mário Covas para governador de São Paulo. José Dirceu seria rifado.

Fernando Morais disse à “Folha” que planeja escrever um livro com as histórias do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, que foi dirigido por Luiz Carlos Prestes e Giocondo Dias.

Os direitos dos livros “O Mago”, sobre o escritor Paulo Coelho, e “Montenegro”, biografia do marechal Casimiro Montenegro Filho, foram vendidos por Fernando Morais “para o audiovisual”.

Um documentário sobre José Dirceu — o principal operador político do PT — terá roteiro de Fernando Morais.

Durante anos, Fernando Morais pesquisou para escrever a biografia de Antônio Carlos Magalhães — com sua anuência —, mas o livro não saiu. A pesquisa será transformada numa minissérie sobre ACM, o “rei” da Bahia.

A HBO Max vai levar ao ar, no primeiro trimestre de 2026, “A Caixa Preta de Fernando Morais”, série em quatro capítulos dirigida por Paulo Cesar Toledo.