Faturamento é o x da questão na crise entre Folha de S. Paulo e Facebook

10 fevereiro 2018 às 22h27

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Redes sociais e o Google ganham muito dinheiro com divulgação de conteúdo alheio. Mas o Facebook está sugerindo que não precisa do material dos jornais e revistas?

A imprensa está em crise. Porque a internet, embora tenha multiplicado o acesso, não resulta, até o momento, em mais dinheiro para jornais e revistas. O investimento em modernização, se facilita a vida dos leitores e telespectadores — a conexão entre os meios é amplamente possível —, resulta dispendioso para as empresas. “Folha de S. Paulo”, “Estadão”, “O Globo” e “Veja”, para citar quatro grandes publicações, reduziram o número de funcionários e enxugaram custos. A Editora Abril, que edita a “Veja” e a “Exame”, extinguiu várias revistas. Mesmo assim, a situação não é das melhores. O problema é internacional. A internet pode ser uma mina de ouro para vários empreendimentos, mas não tem sido para os meios de comunicação, sobretudo aqueles que bancam estruturas gigantes.
Nos Estados Unidos, o empresário Jeff Bezos, criador da Amazon, comprou o “Washington Post” por 250 milhões de dólares — jornal que tem no currículo a derrubada de um presidente da República, Richard Nixon (renunciou para evitar o impeachment) — e, segundo dados divulgados recentemente, está investindo, inclusive em contratação de repórteres qualificados, e começando a obter retorno financeiro. Antes, a situação era negativa. O jornal “Los Angeles Times”, sexto maior da terra do escritor Philip Roth, foi vendido para o bilionário Patrick Soon-Shiong, do ramo de biotecnologia, por 500 milhões de dólares. O “Boston Globe” foi vendido, por 70 milhões de dólares, para John Henry, proprietário do time de beisebol Boston Red Sox. Os proprietários tradicionais, que dedicaram suas vidas a editar jornais, não tinham capital suficiente para salvar seus produtos. A capitalização dos empreendimentos tem sido feita por empresários de outros ramos, como tecnologia.
O “Jornal do Brasil” havia abandonado o formato impresso e aderido integralmente ao mundo digital. Saiu na frente de todos, deu com os burros n’água e seu “fracasso” — que não deve ser atribuído à “fuga” para a internet, e sim a uma gestão que não entendia do ramo jornalístico — e desestimulou outros jornais, digamos, novidadeiros, como a “Folha de S. Paulo”. Lenda da imprensa patropi, o “JB” — o inventor do caderno 2, no caso o “B”, de cultura e entretenimento (Janio de Freitas, Reynaldo Jardim, Mário Faustino e Ferreira Gullar fizeram um excelente trabalho de divulgação cultural) — volta às bancas, ao menos do Rio de Janeiro, no domingo, 25. O diretor de redação será Gilberto Menezes Côrtes, ex-editor do próprio “JB” e da GloboNews. Octavio Costa será o editor de política. O novo proprietário, Omar Resende Peres, o Catito, é dono dos restaurantes La Fiorentina, no Rio de Janeiro, e Piantella, em Brasília. Entrevistado pelo Portal dos Jornalistas, contou que a estrutura de “O Globo” vai imprimir e distribuir o “JB”. “A notícia morreu. Ninguém mais compra jornal para saber o que aconteceu. Por que o jornal impresso não morreu? Por causa da opinião e da credibilidade de quem o faz. As matérias que afetam a nossa vida: isso é o que faz uma pessoa ler jornal. E não estou fazendo um jornal, estou fazendo o ‘Jornal do Brasil’”, afirma Omar Peres.
Os jornais impressos, de fato, não vão acabar. Mas certamente ficarão menores e mais analíticos. Todos eles, sem distinção, precisam da internet para chegar aos leitores do país e, mesmo, de outras nações. Portanto, a rede é mais importante do que a estrutura criada para produzir o impresso. Jornais que perderem o foco, priorizando a fofoca no lugar do jornalismo de qualidade — devido à “necessidade” de acessos anabolizados para exigir aos supostos clientes —, caindo na vala comum, se tornarão mais um, numa competição exacerbada para provar, ainda que indiretamente, qual é mais medíocre. Na quinta-feira, 8, o jornal “Valor Econômico” publicou a manchete: “Colheita surpreende e país pode ter nova supersafra”. O texto é de Cristiano Zaia, que esteve em Primavera do Leste, em Mato Grosso, e Jataí, em Goiás. A reportagem de uma página mostra a pujança da produção de soja no Sudoeste de Goiás e no Mato Grosso. “A Agroconsult, que realiza em 2018 a 15ª Expedição técnica Rally da Safra, já considera provável que a colheita nacional supere em 2017/2018 o recorde de 2016/2017 (114,1 milhões de toneladas)”, informa o jornal do Grupo Globo. Corri aos jornais de Goiás, tanto os impressos quanto os digitais, para verificar se a notícia havia sido divulgada. Não havia. A prioridade é a divulgação de reportagens meramente factuais — quase reprodução dos boletins policiais — sobre crimes. “É o acesso, estúpido!”, diria o marqueteiro de Bill Clinton.
Cristina Zaia publica uma notícia preocupante para a economia goiana (e brasileira): “Apesar do otimismo dos produtores com mais uma boa colheita na safra 2017/2018, a ferrugem asiática, uma das doenças mais temidas nos campos de soja, voltou a ser um problema em Goiás, quarto maior Estado produtor do grão no país. (…) Já foram registrados 16 focos de ferrugem em Goiás neste ciclo”. Mais uma vez, recorri aos jornais goianos e não encontrei nenhuma informação sobre o assunto, ao menos na semana passada. As notícias com mais espaço têm a ver com artista gospel que fuma maconha — o que mostra um desperdício de talento e energia dos jornalistas (alguns muito bons, mas não mais distinguem o essencial do circunstancial e perfunctório) — e violência (divulgada, mas raramente analisada).
Google e Facebook
A imprensa brasileira que produz jornalismo de qualidade vai mal. Mas o Facebook, que é muito mais do que uma rede social, e o Google, que não é um mero portal de busca — ambos são gigantescos supermercados ou lojas de departamento transnacionais que “vendem” tudo, direta ou indiretamente —, vão muito bem, obrigado. O Google indexa a produção jornalística — e outras — e, sem gastar para produzir, acaba por substituir os meios de comunicação, com faturamento bilionário. O mesmo ocorre com o Facebook, que nada (ou pouco) produz — como se fosse, digamos, um eunuco jornalístico —, mas fatura com a produção alheia, tanto dos veículos tradicionais quanto dos próprios usuários da plataforma. Resulta que, de alguma maneira, todos trabalham para o Google e o Facebook, entre outras redes, faturarem. Há um mal-estar entre os jornais e as revistas, locais e mundiais, e os dois grupos multinacionais. Quem será vencedor? No momento, tem sido o Google e o Facebook. A tendência, para se tornarem competitivos, é as publicações se aproximarem dos modelos que deram e estão dando certo na internet. A internet não vai mudar, para atender os, por assim dizer, retardatários. Quem quiser sobreviver, e bem, terá de adaptar-se. O confronto puro e simples não surtirá efeitos positivos. Jornais e revistas, como negócios, são uma espécie de “ideia fora do lugar” na internet. Porém, aos trancos e barrancos, estão se reinventando.
Na semana passada, a “Folha de S. Paulo” anunciou, numa reportagem de uma página, com direito a chamada na capa, que deixou de publicar conteúdo no Facebook: “O jornal manterá sua página na rede social, mas não mais a atualizará com novas publicações”. Percebi que houve uma comemoração do tipo “ufa!, finalmente alguém decidiu reagir e enfrentar os poderosos da rede social”. Os motivos apresentados pelo jornal dirigido pelos irmãos Otavio Frias Filho e Luiz Frias são pertinentes, mas a minha impressão, e é apenas uma impressão, é que, embora talvez sejam seguidos por outros jornais e revistas, voltará a publicar no Facebook. Li, nalgum lugar, que as redes sociais não são tão importantes assim para alguns veículos, sobretudo os mais consolidados na internet. Podem até não ser. Mas as redes, em maior ou menor escala, “movimentam” as informações, potencializam a sua circulação. Jornais menores e blogs têm nas redes sociais, como Facebook e Twitter, “aliados” imprescindíveis.
Trecho da reportagem explicita a razão da revolta da “Folha”: “As desvantagens em utilizar o Facebook como um caminho para essa distribuição [de conteúdo] ficaram mais evidentes após a decisão da rede social de diminuir a visibilidade do jornalismo profissional no feed de seus usuários. O algoritmo da rede passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal, em detrimento dos distribuídos por empresas, como as que produzem jornalismo profissional”. Em seguida, a matéria menciona parte do Projeto Editorial do jornal: “As redes sociais, que poderiam ser um ambiente sobretudo de convívio e intercâmbio, são programadas de tal modo que estimulam a reiteração estéril de hábitos e opiniões preexistentes”.
As redes sociais, de fato, se tornaram “casas de intolerância” e, certamente, não vão mudar, pelo menos no curto prazo. O “lamento” da “Folha de S. Paulo” ecoa, aqui e ali, a crítica do filósofo alemão Theodor Adorno à indústria cultural. É um lamento, por assim dizer, iluminista-frankfurtiano. Porém, omite, não se sabe se deliberadamente, que há uma questão comercial em jogo: uma batalha duríssima pelos corações, mentes e contas bancárias dos indivíduos. As redes sociais, como o Paris Saint-Germain do craque Neymar, vêm ganhando de goleada, contribuindo para derrubar parte dos lucros das grandes empresas de comunicação no Brasil e no mundo (e, pior para os jornais, demonstram, ao priorizar a comunicação dos usuários, que não precisam tanto das publicações consagradas — o que é grave para a “Folha” e outros jornais). O problema, ao contrário do que alguns pensam, não é apenas o que a “Folha” assinala: “Jornal decide parar de atualizar sua conta após diminuição de visibilidade do jornalismo profissional pela rede social”. Quem quiser entender a pendenga, para além do chororô supostamente de matiz filosófico e, até, ético, deve seguir o rastro do dinheiro. Há empresas ganhando e empresas perdendo… É o motivo central da nova Guerra Fria: alguém está ganhando e alguém está perdendo e os empresários liberais estão se estraçalhando…