Entenda por que Roberto Cabrini merece o Prêmio Pulitzer… e os gritos do silêncio¹

17 outubro 2023 às 11h02

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Cynthia Pastor
A legitimidade nas relações internacionais remete à noção de igualdade jurídica entre os Estados, algo que o Hamas desconhece, assim como rejeita com absoluto extremismo a declaração emitida por líderes da Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Depois que a ONU, no pós-guerra, em 1947, fez a partilha da Palestina em territórios árabes — leia-se Gaza e Cisjordânia — e judeus (em Israel), os árabes em “não concordância” à decisão iniciaram uma disputa territorial que vem se arrastando há décadas e que traz em sua sombra milhares de vidas ceifadas de civis inocentes, famílias, crianças, idosos, homens e mulheres dos dois lados da faixa. O terrorismo não é legítimo e não tem justificativa. E foi exatamente o horror absurdo, causado pelo extremismo religioso e político, que o jornalista brasileiro Roberto Cabrini foi conferir in loco.
Ser correspondente de guerra talvez seja o sonho de todo jornalista. Lembro-me que, durante a Guerra do Golfo (de 1990 a 1991), eu morava e estudava nos EUA, e muitas vezes pensei em me alistar na Cruz Vermelha para ter acesso e poder cobrir o conflito, mas fui impedida pela família, numa época em que tinha energia e vontade de registrar o fato histórico. Cabrini, no alto de seus 63 anos, está na Faixa de Gaza por sua conta e risco, para que se entenda, definitivamente, que não cabe “etarismo” nas paixões. A guerra choca, deprime, mas também mostra a coragem que poucos têm de estar no front de um conflito fortemente armado.
Único jornalista brasileiro a entrar na região, Cabrini foi avisado pelo exército israelense de que não haveria escolta e nenhum tipo de garantia de vida. Mesmo assim, ele e seu cinegrafista chegaram (de carro alugado) e mostraram, no último domingo, os cenários horrendos do local do ataque do Hamas num festival de música eletrônica próximo à Faixa de Gaza, na região Sul de Israel. Um evento lotado de jovens adultos, os quais tentaram salvar suas vidas escondendo-se em banheiros químicos que foram metralhados; em carros que foram marcados e queimados; e bunkers que foram atacados, aniquilando 260 pessoas. A destruição psicológica de quem sobrevive é inenarrável. Sente-se o pavor e o medo nos entrevistados. Um olhar absolutamente triste de quem presenciou os horrores e a morte ao vivo.
Cabrini, certamente, merece um Pulitzer por mais essa cobertura impecável, muito embora já seja premiadíssimo. Não é a primeira série de matérias da sua carreira em zonas de guerra. Ele, genialmente após meses no Iraque, conseguiu uma exclusiva com o então vice-primeiro-ministro de Saddam Hussein, Tariq Aziz, para o documentário “Enigma das mil e uma noites”.
O jornalista mostrou, em 1988, as sequelas dos ataques com armas químicas na cidade de Halabja. Em 1995 entrevistou o líder palestino Yasser Arafat. Entrevistou, num ato de coragem, um grupo “suicider bomb” recrutado para atacar alvos israelenses. Em 2021, foi premiado pela série de reportagens “Missão Kabul”, em que mostra o cenário do Afeganistão após a retomada do Talibã; e, com exclusividade, entrevistou o temido Enamullah Samangani. Incansável, em 2022 cobriu por 23 dias a guerra entre Rússia e Ucrânia, diretamente de Kiev. Não sei se ele é correspondente de guerra por amor à profissão ou por querer estar dentro do fato histórico, mas, como bem dizia um grande mestre do “jornalismo empírico” que tive em uma das redações pelas quais passei, o polêmico Oliveira Bastos, “jornalismo é cachaça”.
Os Gritos do Silêncio, de Roland Joffé
¹ “Os Gritos do Silêncio”, filme de 1984, baseado em fatos reais, relata a versão do jornalista americano Sidney Schanberg sobre a Guerra do Camboja. Com a cobertura da tomada de Phnom Penh, ele ganha o prêmio Pulitzer. Direção de Roland Joffé.
Cynthia Pastor é editora do Jornal Opção Entorno.
Confira Roberto Cabrini em ação