Emmanuel Carrère revela supostas fantasias sexuais de ex-mulher e provoca escândalo na França

03 outubro 2020 às 18h29

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O livro se tornou best-seller. Mas o escritor francês desrespeitou contrato que prevê não citar Hélène nas suas histórias
O escritor francês Emmanuel Carrère, de 62 anos, é autor de prosa de qualidade — cercada, por vezes, de fatos reais recriados por uma imaginação poderosa. Entre seus livros apreciáveis estão “Um Romance Russo” (Alfaguara, 247 páginas, tradução de André Telles) e “Limonov” (Alfaguara, 344 páginas, tradução de André Telles). Nascido em Paris, agora o autor está envolvido num escândalo que deve chegar às portas da Justiça.

Escritores têm o hábito de usar parte de sua vida, o que às vezes inclui a vida de parceiros, como a mulher ou ex-mulher, na sua literatura. “Yoga”, livro autobiográfico de Emmanuel Carrère, desagradou profundamente sua ex-mulher Hélène Devynck, de 54 anos. Ela sustenta que o escritor mente na obra, sobretudo quando fala de suas supostas fantasias sexuais. Entretanto, longe de prejudicar, a publicidade em torno da história — o barraco ganhou as páginas dos jornais — contribuiu para aumentar as vendas do livro. Em quatro semanas, foram vendidos 160 mil exemplares.
Hélène Devynck afirma que, quando se divorciaram, em março deste ano, ficou acertado, via contrato, que Emmanuel Carrère deixaria de mencioná-la em seus próximos livros (antes, a citação era livre). A jornalista alertou o editor do livro, além do escritor, sobre a necessidade de exclui-la das histórias, uma vez que era preciso respeitar o que havia sido pactuado legalmente. “Tenho direito à separação de meu ex, mas devo suportar, até a morte, as fantasias de meu ex-marido? Minha pessoa está exposta em uma fantasia sexual acompanhada de revelações indesejáveis sobre minha vida privada”, afirma Hélène Devynck.
Como a pressão não surtiu efeito, Hélène Devynck escreveu um texto para “Vanity Fair” relatando sua versão.
O crítico Pierre Assouline, um dos mais conhecidos na França — é biógrafo de Hergé e Georges Simenon —, apontou o “egocentrismo absoluto” e o “narcisismo” do escritor. Manchar a reputação da ex-parceira não agradou ao comentarista.
A ex diz que Emmanuel Carrère tem o hábito de mentir (inclusive sobre sua passagem por um manicômio). Como Pierre Assouline, ela o considera “narcisista”. O escritor promete “sinceridade” aos leitores, mas seria “falso”. Como homem, seria “insensível ao sofrimento de quem esteve ao lado em seus momentos difíceis”.
Depois das revelações de Hélène Devynck, como avaliar Emmanuel Carrère como escritor? É preciso admitir: continua ótimo. Suas incursões pela vida privada — dele e dos outros, sem cerimônia — resultam talvez mais de sua imaginação poderosa do que do mero registro factual. Entretanto, em termos de caráter, aí é outra história. É provável que sua ex-mulher esteja dizendo a verdade. O certo é que, como o livro está vendendo muito bem, ela acabará por receber uma indenização polpuda.