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“Bartleby y Yo — Retratos de Nueva York” (Alfaguara, 334 páginas), de Gay Talese, é um “mineral” tipo terra rara. Muito bom. Excelente.

O autor não aprecia contar a história dos poderosos. É o repórter dos esquecidos. Dos que ficaram para trás. Eles acabam ficando mais ou menos famosos devido às histórias de Talese.

Gay Talese: o repórter que ignora os poderosos e conta a história de anônimos | Foto: Reprodução

(Quando o editor da “Esquire” disse para entrevistar Frank Sinatra, Talese não quis, inicialmente. Mas, com a promessa de que poderia entrevistar anônimos, foi às ruas, conversou com gente do entorno do cantor e escreveu o perfil, um dos mais famosos da história.)

Nita Naldi, atriz do cinema mudo, morava num hotel, olvidada, e ninguém tinha seu endereço e telefone. Sabia-se apenas que residia num hotel. Talese ligou para quase 100 hotéis e acabou por descobri-la. Falou com ela demoradamente e escreveu uma reportagem.

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Nita Naldi e Rodolfo Valentino: atores do cinema mudo | Foto: Reprodução

Um redator de obituários do “New York Times”, Alden Whitman, havia sido revisor e, se não fosse Talese, não seria lembrado. Ele era tão bom no ofício de redigir obituários que o “Times” acabou por permitir que assinasse os perfis. Antes, não era permitido.

Como outros jornais, o “Times” redige obituários de pessoas famosas e os guarda no seu banco de dados. Alden Whitman decidiu inovar e começar a entrevistas várias pessoas para produzir obituários mais amplos e precisos.

Ao pedir uma entrevista a Harry Truman, exatamente para compor seu obituário, o presidente se dispôs a atendê-lo. Mas esclareceu a Alden Whitman que sabia qual era seu propósito.

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Alden Whitman: o grande redator de obituários do “Times” | Foto: Reprodução

Durante a crise dos mísseis (baseados em Cuba) entre os Estados Unidos e a União Soviética, Talese optou por conversar com os fazendeiros amish, que pregavam a paz. Certa vez, roubaram dinheiro dos amish. Quando o xerife prendeu os criminosos e mandou devolver a grana, os amish não quiseram: o dinheiro, por ter sido roubado, havia se tornado “pecaminoso”.

O olhar de Talese para os amish é mais o do antropólogo, que quer entender a diferença e não operar pela integração — que suprime a diferença de um. Ele mostra não pessoas excêntricas, e sim pessoas que trabalham muito, tem um alto senso de decência e levam uma vida avessa à pressa das exigências do capitalismo. E são pacifistas.

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Capa da edição brasileira do livro de Talese; o subtítulo, é pretensioso, não é do autor nem da edição original | Foto: Companhia das Letras

Um veterano repórter deu uma orientação a Talese (hoje, com 93 anos): “Jovem, se puder evitar, jamais entreviste ninguém por telefone”. “Me explicou que o telefone era um instrumento inadequado para entrevistar as pessoas porque, entre outras coisas, o repórter aprende muito observando o rosto e as maneiras de um indivíduo, sem falar do ambiente que o rodeia. Os indivíduos estão mais dispostos a contar coisas de si mesmas se a abordagem for frente a frente.”

As pequenas histórias de Talese são grandes. Porque ele as conta como um escritor imaginativo.

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Livro de Melville, sobretudo o personagem central, inspirou o título do livro de Talese | Foto: Jornal Opção

A Companhia das Letras promete a publicação do livro para 16/09/2025, com tradução de Laura Teixeira Motta. Estou lendo a tradução espanhola da Alfaguara, feita por Antonio Lozano e publicada pela Alfaguara. Muito boa, por sinal. Uma pena não ter fotografia dos perfilados por Talese (pronuncia-se “Talise”, ao menos em inglês. Na Itália fala-se Talese mesmo).

O título do livro é, digamos assim, uma “homenagem” ao personagem de Herman Melville. Acionado pelo chefe de um cartório para trabalhar, Bartleby dizia: “Prefiro não”. Havia desistido de se integrar à sociedade, por motivos jamais explicados. Fez questão de ficar à margem… até morrer. Talese tem apreço pelos Bartleby da vida real.