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“Não faz sentido contrair uma doença com o objetivo de adquirir imunidade”, se “existem vacinas que são capazes de obter esse resultado sem provocar doença” 

Os cientistas sabem, em geral, do que estão falando. Mas às vezes não entendem tanto de comunicação, ou seja, de como as informações são recebidas e assimiladas pelo público leigo. Drauzio Varella, de 78 anos, não é um cientista, e sim um médico que divulga a ciência de maneira competente, simplificando — didatizando-a — informações às vezes complicadas para possibilitar o entendimento dos leitores. Sua capacidade de síntese é extraordinária, e sem banalizar pesquisas complexas. Recentemente, cientistas passaram a postular que a nova (quase velha) variante do coronavírus, a Ômicron, tende a ser o começo do fim da pandemia. Podem estar certos, mas, na batalha da comunicação, a mensagem que se cristaliza é outra: se a variante não é tão “grave”, pode-se relaxar nos cuidados. Porém, não é bem assim — tanto que na sexta-feira, 28, morreram quase 800 pessoas em consequência da Covid-19.

Na revista “CartaCapital”, de 22 de janeiro, Drauzio Varella publicou um artigo importantíssimo, um verdadeiro serviço de utilidade pública. “Se ela [a Ômicron] é tão contagiosa, não é provável que todos seremos infectados, um dia? Não seria melhor pegarmos de uma vez essa variante menos agressiva, com menos riscos de hospitalização, para ficarmos livres dessa pandemia que parece não ter fim? Não é melhor, não, prezado leitor. É, aliás, uma péssima ideia”. O médico apresenta dez razões, que serão resumidas a seguir.

Drauzio Varella: médico e divulgador da ciência | Foto: Divulgação
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Drauzio Varella afirma que não é “possível prever a evolução da Covid” no caso de todos os pacientes. Quer dizer, a evolução não é semelhante em todos. O comprometimento pulmonar pode ser diferente de indivíduo para indivíduo.

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O médico sublinha que “nenhum de nós pode ter certeza de que a nossa resposta imunológica será capaz de conter a multiplicação viral dentro de limites seguros”. As internações foram ampliadas, com a Ômicron. No Brasil, o número de mortes voltou a subir, e muito.

“Quanto maior o número de infectados, maior a probabilidade de surgirem novas variantes”

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“Não existe garantia de que a Covid adquirida será uma tarde no parque”, alerta Drauzio Varella. O doente às vezes não precisará ser internado, mas sofrerá em decorrência da presença do vírus em seu organismo. Mesmo se vacinado. No caso do não vacinado, poderá ser ainda pior. Vale notar que cerca de 20% dos brasileiros ainda não estão vacinados com a primeira dose.

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“As demais variantes provocam quadros com sintomas que costumam regredir depois da primeira semana.” Há sintomas que podem, “ocasionalmente”, persistir “por semanas, meses e até mais”. Trata-se da Covid “longa ou prolongada”. Drauzio Varella enfatiza que “não há tempo de observação suficiente para ter certeza de que o mesmo não possa acontecer com a Ômicron”.

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Alguns pacientes que tiveram Covid em 2020 e foram vacinados com duas doses em 2021, além da dose de reforço, “foram infectados pela Ômicron e caíram de cama”. Drauzio Varella sublinha que “nenhuma” das vacinas “foi testada para evitar infecções pelo coronavírus. Portanto, as pessoas vacinadas com as três doses ainda podem ser infectadas. A vantagem é que não vão parar nos hospitais”. E o que o médico diz precisa ser relativizado: a maioria não vai parar nos hospitais, mas alguns vão. Tanto que vários hospitais estão lotados.

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Drauzio Varella assinala que, “exposto à variante Ômicron, você poderá transmiti-la, ainda que esteja assintomático. Você se tornará um perigo ambulante para adultos não vacinados, pessoas com idade com comorbidades, crianças pequenas e todos os que tiverem sistema imunológico frágil”. Então, aqueles que baixaram a guarda, deixando de usar máscaras em ambientes fechados, com a presença de várias pessoas, precisam ter cuidado redobrado, e não menos cuidado, como parecem acreditar.

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O médico ressalta que “não há segurança de que, ao se expor, você será infectado pela Ômicron. A variante Delta continua por aqui. E se você contrair uma variante mais agressiva?” É outra questão negligenciada na imprensa: fica-se com a impressão, ao se ler as reportagens, que, dada a onipresença da Ômicron, que a variante Delta desapareceu do mapa. É aquela história da cobra coral falsa e verdadeira — a venenosa e a não venenosa.

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Drauzio Varella postula que, “quanto maior o número de infectados, maior a probabilidade de surgirem novas variantes”.

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Há outra questão pouco apontada nas reportagens brasileiras, mas ressaltada por Drauzio Varella: “Não sabemos se a imunidade adquirida pela infecção por Ômicron persiste por muito tempo. Sabemos, no entanto, que variantes como Delta ou Beta induzem a produção de altas concentrações de anticorpos neutralizantes, mas que a duração da imunidade diminui com o passar dos meses. Por que seria diferente com a Ômicron? Por que razão a infecção por ela protegeria contra uma nova variante que, porventura, venha a surgir?”

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O alerta final deveria ser lido e relido por todos os brasileiros: “Não faz o menor sentido contrair uma doença com o objetivo de adquirir imunidade, quando existem vacinas seguras e eficazes que são capazes de obter esse resultado sem provocar doença nenhuma”.