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O e-book “Quem Será o Próximo Presidente?” contém excelentes entrevistas com marqueteiros (Pablo Nobel, Duda Lima, Paulo Vasconcelos, Renato Pereira, Chico Mendez, entre outros) e pesquisadores (Felipe Nunes, da Quaest, Renato Meirelles, do Locomotiva).

Entre os entrevistados estão João Santana, marqueteiro baiano que, depois de muito sucesso nas campanhas do PT, caiu em “desgraça” e respondeu a processos judiciais. Mas era e continua sendo um profissional do primeiro time, como revela sua entrevista ao repórter Thiago Prado, de “O Globo” (https://tinyurl.com/5b9ny27s).

Marqueteiros e pesquisadores sabem que política é conjuntura. Num momento, um político parece imbatível para uma disputa eleitoral. Pouco tempo depois cai e deixa de ser favorito. As ondas boas podem até durar, mas em geral não duram tanto.

Lula da Silva: o presidente atravessa uma boa fase, mas vai durar? | Foto: Ricardo Stukckert

O presidente Lula da Silva, do PT, não estava bem. Mudou o marqueteiro, e Sidônio Palmeira passou a fazer um marketing mais contemporâneo — atualizando o governo e Lula da Silva. Ainda assim, o petista-chefe caía pelas tabelas.

Mas aí surgiu o imponderável, fruto da conjuntura: o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seu menino de estimação, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PL.

Donald Trump impôs um tarifaço que prejudica os empresários e, mesmo, o povão brasileiros. Eduardo Bolsonaro decidiu apoiá-lo, assim como parte da direita, e deu com os burros n’água.

Sem querer, Donald Trump e Eduardo Bolsonaro, a dupla do tiro pela culatra, se tornaram general e cabo eleitoral de Lula da Silva.

Sem o tarifaço, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, possivelmente não estaria recuando de sua candidatura à Presidência da República. Enfrentar Lula da Silva com musculatura reforçada não é nada fácil. Pois o petista é um profissional da política nos maus e, notadamente, nos bons momentos.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Eduardo Bolsonaro, deputado federal, não sabem, mas se tornaram cabos eleitorais de Lula da Silva | Foto: Joyce N. Boghosian/White House

Mas uma ponderação de João Santana faz sentido: “O discurso de soberania que Trump entregou de bandeja colocou de novo a faca e o queijo na mão do governo. Afinal, o tema está muito mais ligado à esquerda do que à direita. A questão é que dificilmente esse discurso terá fôlego para o ano que vem. Não será uma chama permanente”.

A eleição será disputada daqui a um ano, mas as coisas começarão a esquentar um pouco antes, logo depois das férias de julho, em agosto de 2026. Quase nada no Brasil dura um ano, em termos de repercussão negativa ou positiva. Por isso, João Santana tem razão.

O nacionalismo repentino, com a esquerda tomando a bandeira da direita — mesmo a liberal costuma ser nacionalista —, contribuiu para aumentar a popularidade de Lula da Silva e de seu governo. Mas dificilmente o discurso da soberania vai durar até agosto ou setembro de 2026.

Porém, se o contencioso com os Estados Unidos continuar, com Donald Trump mantendo as tarifas altas, Lula da Silva continuará na crista da onda. E, na possibilidade de um recuo do presidente americano — que está mais preocupado com os laços do Brasil com a China do que com o mui amigo Jair Bolsonaro —, o petista-chefe permanecerá fortalecido.

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Ronaldo Caiado, governador: da direita democrática e anti-golpe | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

João Santana apresenta uma sugestão para Lula da Silva e Sidônio Palmeira (que precisa agradecer a Donald Trump e a Eduardo Bolsonaro). “O que é o Brasil de hoje? De um lado, uma esquerda moderada clientelista; de outro, uma direita selvagem e antidemocrática” (leia mais adiante).

Seria possível um reparo na fala do marqueteiro? Sim. Não há mais só uma direita no Brasil. Há direitas. A do bolsonarismo, que se aproxima da extrema direita, não é a mesma dos governadores Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais. As direitas dos três nada têm de selvagem e antidemocrática. Nenhum deles defende golpismo e todos são pró-democracia.

Outro equívoco, que não é de João Santana, é a avaliar que a esquerda de Lula da Silva não é democrática. É. Por isso não representa uma ameaça às instituições que são pilares da democracia. Já o bolsonarismo é mesmo antidemocrático. Até quando cobra democracia — e liberdade de expressão — só para si.

“O equilíbrio não é a busca por um centro amorfo. Se for por aí, Lula não tem condições de vencer em 2026. Isso não é papo de esquerda defasada, não”, pondera João Santana.

“Em alguns momentos é, sim, necessário partir para alguns enfrentamentos. Há uma amnésia do governo em relação à escala 6×1. Devia estar na linha de frente das iniciativas do Planalto. Mas, se você teme reações das corporações, não vai fazer”, assinala João Santana.

Há uma ressalva possível: nem tudo pode ser feito pelos governos, por mais que estejam num bom momento. Mas, no caso de Lula da Silva, a lua de mel com a sociedade ainda não é das melhores. Por mais que sua avaliação tenha melhorado, ainda há uma grande resistência, entre a população, ao presidente. Por isso, nem sempre boas ideias, como a sugerida por João Santana, são passíveis de serem aprovadas.

Governantes, quando começam a ser bem avaliados, sobretudo quando se avizinha o processo eleitoral, tendem a ser cautelosos. A tendência é que permaneçam surfando na onda boa, sem procurar criar ondas artificiais, que podem parecer boas, mas os eleitores podem rejeitá-las.

Então, não basta ser um grande marqueteiro — e João Santana o é. É preciso entender como funciona, na prática, o governo e suas relações com o Congresso.

A Câmara dos Deputados, mesmo num mau momento, é hostil ao governo de Lula da Silva. O Senado é menos hostil, porque Davi Alcolumbre opera melhor do que Hugo Motta, mas, ainda assim, não é favorável à gestão de Lula da Silva. Daí a justa cautela do presidente.