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Mark Thompson sugere investimento de conteúdo próprio e em jornalistas de qualidade e não em recórteres

Quando Otavio Frias Filho morreu, a pouco mais de seis meses, sua irmã Maria Cristina Frias assumiu a direção de redação da “Folha de S. Paulo”. Pouco depois de uma reunião dos três acionistas, perdeu o cargo. Ante a repercussão, a “Folha”, com sua habilidade habitual apropriou-se da história, impondo sua verdade, com uma versão edulcorada da crise. Sabe-se que o presidente do grupo “Folha da Manhã”, Luiz Frias, e a viúva e herdeira de Otavinho, Fernanda Diamant, uniram-se contra Maria Cristina. Há duas histórias correntes e suavizadas pelo jornal. Primeira: a diretora de redação não queria autorizar novas demissões. Segunda: planejava uma cobertura crítica porém mais ponderada do governo de Jair Bolsonaro. Venceu a posição chamada de “realista”, a comandada por Luiz Frias, com o apoio de Fernanda Diamant.

Maria Cristina Frias saiu da direção de redação da “Folha de S. Paulo” e provocou uma crise familiar | Foto: Reprodução

Maria Cristina Frias permanece como acionista, mas perdeu o cargo. A crise teria sido explosiva, com ataques viscerais de ambos os lados. Mas a “folha” apropriou-se da história, ao contá-la — ainda que não de maneira ampla (os blogs Na Telinha e Notícias da TV, de Daniel de Castro, que são experts em publicar notícias polêmicas, não deram uma linha a respeito) —, e matou-a no nascedouro.

O portal Consultor Jurídico relata que Maria Cristina Frias interpelou judicialmente Luiz Frias e Fernanda Diamant para que apresentem informações precisas — assim como o jornal cobra do governo a respeito da Previdência — sobre a situação financeira do grupo Folha da Manhã e a respeito da reestruturação da empresa. “O que está em jogo é saber se a ‘Folha’ deve para o UOL ou o contrário.” O Conjur frisa que “Luiz [Frias] tem cerca de dois terços da Folhapar, que é dona do UOL e do PagSeguro. Controla, portanto, a maior parte das fontes de renda da empresa”.

Maria Cristina Frias sublinha que o plano de reestruturação está sendo levado a cabo por Luis Frias “vai prejudicar o jornal em detrimento do UOL e do PagSeguro, deixando o jornal deficitário”. A empresária e jornalista sustenta que foi afastada por Luiz Frias e Fernanda Diamant por “ser contrária à reorganização e defender os interesses financeiros e a independência da Folha da Manhã, razão social da ‘Folha de S. Paulo’”.

Demissões e opinião terceirizada

“O Popular” fez uma série de demissões, sobretudo de profissionais mais experientes, alegando contenção de custos, e não adiantou nada. A qualidade editorial do jornal piorou — a impressão que se tem é que o Grupo Jaime Câmara faz um jornal para ontem, cujo slogan poderia ser “o primeiro a chegar atrasado” — e a crise talvez tenha sido ampliada, visto o baixo volume de anúncios. As demissões podem ter sido feitas sem um planejamento rigoroso. O Grupo Globo teve lucro em 2018 porque fez aplicações financeiras positivas e os proprietários não fizeram retiradas. É provável que se os acionistas tivessem feito o mesmo, sobretudo reduzindo as retiradas, o Grupo Jaime Câmara poderia ter obtido maior lucratividade. As demissões não resultaram em equilíbrio das contas da empresa, mas não melhoraram o jornal, em termos editoriais.

Há outros problemas graves em “O Popular”. Primeiro, terceirizou sua opinião para jornalistas de outros jornais, como a “Folha de S. Paulo”, como se não houvesse massa crítica na sua redação (e há profissionais qualificados no jornal). Recentemente, convocou uma ex-editora, Cileide Alves, para escrever críticas e aparentemente apresentar recados da empresa ao governo de Ronaldo Caiado (DEM). Segundo, a servidão voluntária ao material das agências de notícias — textos frios, sem nenhum brilho — sugere que o jornal não tem vontade ou capacidade sequer para enviar um jornalista para cobrir um fato ocorrido em Brasília, cidade que fica a menos de 200 quilômetros de Goiânia.

Não se está dizendo que “O Popular” não é sério e respeitável. Na verdade, o que se está sugerindo é que parou no tempo. A seriedade permanece, mas sozinha não faz um grande jornal.

Mark Thompson: o “Times” conseguiu convencer os leitores a pagar por conteúdo de qualidade | Foto: Reprodução

Manter equipe e investir em qualidade

Numa entrevista concedida à diretora geral do Google Austrália, Mel Silva — e transcrita no Brasil pelo Portal Imprensa —, o diretor do jornal “New York Times”, Mark Thompson, vai na contramão das publicações brasileiras. “Qualquer um que pense que cortar [empregos nas] redações é uma forma de criar negócio na indústria de mídia está enganando a si mesmo”, afirma.

Mark Thompson frisa que, em geral, o corte de pessoal leva ao comprometimento da qualidade do produto. Qualificação dos profissionais — que não podem ser meros “recórteres” — e conteúdo próprio de qualidade são cruciais. Editores e proprietários, os que querem jornalismo de qualidade, têm de saber disso. “Conseguimos [no “Times”] criar uma audiência comprometida e os convencemos [os leitores] a pagar por conteúdos de qualidade. Os editores menores podem não ter essas vantagens, mas têm de acreditar no valor de seu conteúdo. Se você está produzindo conteúdo que no fim pode ser encontrado facilmente em outros locais da internet gratuitamente, como notícias genéricas de celebridades e caça-cliques, como você pode fazer desse trabalho um negócio? Porcarias sempre estarão disponíveis de graça na internet.”

O “New York Times” tem 3,3 milhões de assinantes. Sua audiência, num mercado altamente competitivo, é crescente. A razão é a qualidade de seu jornalismo, a exclusividade de suas informações e suas análises amplas tanto a respeito da política americana quanto da internacional. Como não está preocupado com faturamento de governos, e sim do que advém da iniciativa privada e das assinaturas, o “Times” faz jornalismo crítico, sem concessão. Por isso seu principal “sparring” é o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Tendo informações verdadeiras e privilegiadas, o jornal não hesita e publica-as integralmente. Doa a quem doer.

O uso de dados dos indivíduos, notadamente pelo Facebook e pelo Google — que armazenam, selecionam e dispõem das informações de seus usuários para finalidades comerciais, sem nenhuma intenção de preservar sua privacidade —, preocupa Mark Thompson. “A publicidade digital é uma atividade muito problemática e o uso e abuso dos dados das pessoas no ecossistema publicitário está em algum lugar entre o perturbador e o escandaloso. Temos um enorme trabalho de reforma e devemos começar a pensar qual é a quantidade mínima de dados que podemos obter das pessoas para lhes brindar com um bom serviço.” Trata-se de uma crítica direta ao Facebook, ao Google e à Amazon — sem citá-los. Há indivíduos que acreditam que o Facebook e as pesquisas no Google são gratuitos. Não são. Seus usuários se tornam, eles mesmos, mercadorias. Trata-se de um uso ligeiramente doce, porque invisível, e pensa-se, por vezes, que estão sendo tremendamente úteis, e estão mesmo, mas não apenas para nós (ou bem menos para nós).