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A saída da jornalista Dina Aguiar, de 72 anos, do comando do programa Portugal em Direto, da emissora estatal RTP, após 47 anos de casa, provocou comoção em Portugal — e levantou uma discussão que também ecoa no Brasil: por que tão poucas mulheres continuam à frente de telejornais depois dos 60 anos, enquanto seus colegas homens seguem nas bancadas até bem mais tarde?

“Obrigada por nos dar o privilégio da sua companhia durante tantos anos. É o fim de um ciclo”, disse a apresentadora em sua despedida ao público, emocionada. Dina afirmou que não pretende se aposentar, mas, até o momento, não recebeu convites de outras emissoras. “Hoje é um dia difícil… Obrigada e até um dia destes ou até sempre, se Deus quiser”, declarou.

Uma carreira interrompida — e uma tendência persistente

A demissão de Dina Aguiar expõe uma realidade comum no jornalismo televisivo: a dificuldade de mulheres maduras se manterem em posições de destaque na tela. Mesmo em grandes redes, são raros os casos de apresentadoras que continuam no ar após os 60 anos.

Atualmente, no Brasil, Renata Lo Prete, de 61 anos, é a única mulher acima dessa faixa etária que segue no comando de um telejornal diário — o Jornal da Globo. Outros nomes de trajetória consolidada, como Christina Lemos, também de 61, foram retiradas da bancada recentemente. Em junho, a jornalista deixou o posto no Jornal da Record e passou a apresentar apenas um quadro dentro do noticiário.

Enquanto isso, os homens parecem escapar do etarismo. A lista de veteranos que permaneceram no ar por décadas é longa: Boris Casoy ancorou telejornais até os 80 anos; Celso Freitas deixou o posto apenas aos 72; e Chico Pinheiro encerrou sua passagem pela TV aos 69. Atualmente, César Filho (65, SBT Brasil), William Bonner (61, Jornal Nacional) e Eduardo Oinegue (61, Jornal da Band) continuam no ar em horários nobres.

A desigualdade de gênero e o padrão de imagem na TV

Especialistas em comunicação e diversidade apontam que, apesar dos avanços, a televisão ainda cobra das mulheres um padrão estético associado à juventude — uma exigência que não recai com a mesma força sobre os homens. O fenômeno, conhecido como etarismo de gênero, reflete uma estrutura histórica de desigualdade nas redações e na mídia.

Além da aparência, há também uma questão simbólica: a presença feminina envelhecida na tela ainda é vista como exceção, e não como continuidade natural da carreira. A jornalista portuguesa, com mais de quatro décadas de experiência e reconhecimento público, tornou-se o retrato dessa contradição — entre o discurso de valorização da experiência e a prática que privilegia rostos jovens.

Debate urgente no jornalismo

A repercussão do caso de Dina Aguiar mostra que o debate sobre representatividade etária e de gênero na comunicação é mais atual do que nunca. Num momento em que as emissoras buscam diversidade e credibilidade, a exclusão de profissionais experientes reforça a necessidade de rever critérios de permanência e visibilidade no jornalismo televisivo.

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