Danilo Gentili agora come o pão que amassou para o diabo

20 março 2022 às 00h00

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Comediante cresceu com a antipolítica e o antipetismo e se tornou ícone do bolsonarismo, que agora se volta contra ele

Como que transportado por uma máquina do tempo, o dia 12 de outubro de 2017 voltou à tona na semana passada, quase quatro anos e meio depois. É que, para aquele feriado de Dia da Criança, estava previsto, como ocorreu, o lançamento do filme Como se tornar o pior aluno da escola, baseado em um livro do comediante e apresentador de TV Danilo Gentili.
Embora conte com um bom humorista, Fábio Porchat, e com atrações como a veterana Joana Fomm e Carlos “Kiko” Villagrán, do seriado infantil Chaves. O filme é uma comédia do grupo Globo que não deveria ser recomendada a ninguém, simplesmente porque é muito ruim e serão 146 minutos desperdiçados de vida: há outras formas mais saudáveis de rir – se não quiser sair do mesmo espírito politicamente incorreto, basta procurar episódios do canal Porta dos Fundos, do mesmo Porchat. Mas, por classificação indicativa e a quem se aventurar, a recomendação é de que a audiência tenha pelo menos 14 anos. Não são exatamente crianças, mas adolescentes, com essa idade.
Uma cena do filme, porém, é realmente asquerosa, como diria um ministro da Justiça de um governo “conservador” de direita, muitos anos depois: é quando o personagem de Porchat assedia sexualmente dois adolescentes. Na época, o deputado federal e pastor Marco Feliciano elogiou o filme, dizendo que há muito tempo não ria tanto. O vereador Carlos Bolsonaro, já preparando a máquina eleitoral do pai, fez um elogio torto: disse que o filme devia ser bom, já que a Folha de S.Paulo estava criticando.
Na época, Danilo Gentili era então o queridinho da extrema-direita, por, além de desancar os governos petistas, também performar escândalos com tudo aquilo que os progressistas consideravam formas de ataques a minorias e pessoas em condição fragilizada. O filme em questão é exatamente isto: um chorume de deboche e humilhação. E foi nessa linha que, logo após o lançamento, o jornalista Diego Bargas produziu o texto “Comédia juvenil ri de bullying e pedofilia”, sobre a arte obrada pelo humorista.
Como todo humorista que adora ser a palmatória do mundo, mas detesta ser vítima de crítica, bingo: ele achou a matéria de Bargas uma piada de mau gosto. Ato contínuo, Gentili estimulou seus (na época) mais de 15 milhões de seguidores no Twitter a perseguir o jornalista em seus perfis nas redes sociais. E expôs o passado de seu alvo como simpatizante dos governos do PT.
“Bichona”, “autista”, “otário”, “merda”, “lixo social”, “imbecil”, “viado”, “militonto” “e “acéfalo” foram alguns dos adjetivos que Diego Bargas recebeu. Acabou demitido da Folha, que pareceu levar em consideração o passado alentado pelo humorista para puni-lo. “A confusão com o Gentili me fez perder o emprego. Ele me esmagou como uma barata, só porque ele pode, só porque eu ousei o desafiar. É surreal que eu tenha virado alvo de um cara desse tamanho”, afirmou o repórter, na época.
Desde o início da década passada, Danilo Gentili saiu da posição de um comediante a mais para se tornar um dos maiores influenciadores digitais do País. No Twitter – onde mantém na bio a frase “desde 1979 estragando tudo e decepcionando pessoas” –, ele tem mais de 17 milhões de seguidores. Gentili fez fama por meio do Custe o Que Custar, ou simplesmente CQC, um programa humorístico exibido pela Band de 2008 a 2015, de formato inovador e bastante polêmico para a época, que tinha à frente o jornalista Marcelo Tas.
O CQC apareceu como o grande agitador da antipolítica. Um quadro, especificamente, se tornou um ícone do programa. Era o do repórter que ia até Brasília para fazer perguntas no mínimo incômodas para deputados, senadores, ministros. Com um pesado histórico de testemunhos de casos de corrupção, o espectador se sentia representado. E o repórter, quem era? Danilo Gentili.
Nas eleições de 2014, o mesmo humorista se tornou um notório antipetista, a ponto de estar na casa em que o senador e então candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB) e sua militância mais próxima acompanhavam a apuração do segundo turno. Empolgado com o clima, antes do resultado final, mandou um recado mal-educado para a candidata à reeleição pelo Twitter: “Tchau, Dilma. Está desempregada. Só não vai voltar a assaltar banco, hein. Pode ir pra Cuba curtir seu amorzinho.” O tuíte não existe mais porque foi apagado logo após o resultado oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mas, claro, não foi só Gentili que cresceu com a antipolítica. Também foi no meio desse caldeirão que floresceram para o cenário nacional o Movimento Brasil Livre (MBL) e o capitão da reserva e dublê de deputado federal Jair Bolsonaro. Na noite do último domingo de outubro de 2018, todos comemoravam a vitória da extrema-direita.
O MBL já começou a romper com Bolsonaro em 2019, mais ou menos na mesma época em que Gentili começou a criticar o presidente no talk show do STB em que o recebera em maio daquele ano, o The Noite.
Seria coincidência que, neste momento de novo ano eleitoral, tanto um, Danilo Gentili, como o outro, o MBL, estejam sendo “cancelados” nas redes sociais e não encontrem apoio de qualquer grupo político? O que parece ser é aplicação, a ambos, da mesma régua com que mediram seus desafetos.