Morto sob tortura, Milton Soares de Castro era ligado a Brizola, havia sido filiado ao PC do B e decidiu fazer guerrilha na Serra do Caparaó

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Jornalista Daniela Arbex | Foto: reprodução

O livro “Cova 312” (Geração, 342 páginas), de Daniela Arbex, é uma reportagem de primeira linha, muito bem apurada e escrita. Quando descamba para a discurseira, num combate até ingênuo e emocional (ou humano, para ser justo) à ditadura civil-militar, o livro é salvo pelo faro excepcional da repórter.

Quando parte da esquerda decidia se partia para a luta armada, com suas várias facções, o ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, cunhado de João “Jango” Goulart, resolveu organizá-la, com recursos próprios e de Cuba.

Militares e marinheiros ligados a Brizola, com parcos recursos e algumas armas, decidiram fazer guerrilha na Serra do Caparaó, entre o Espírito Santo e Minas Gerais, entre 1966 e 1967. Do grupo o único civil e o menos preparado para a batalha que se anunciava era o gaúcho Milton Soares de Castro (que havia pertencido ao PC do B).

Os guerrilheiros — sete sargentos, dois subtenentes, dois marinheiros e o civil Milton Soares de Castro, um exército de Brancaleone de 13 homens— famintos e maltrapilhos foram logo descobertos e presos, noutro 1º de abril, só que agora de 1967, pela Polícia Militar.

imprensa0001Milton Soares de Castro foi levado para a Penitenciária Regional de Juiz de Fora, conhecida como Penitenciária de Linhares. Em abril de 1967, foi duramente interrogado pelo major Ralph Grunewald Filho. O integrante do Exército queria que o militante entregasse companheiros. Como ele não aceitou, o major o provocou. Irritado, teria reagido (dado um soco no major) e, por isso, teria sido torturado violentamente. Mais tarde, apareceu morto, “enforcado”, em sua cela. Tinha 26 anos. O Exército garantiu que havia sido suicídio e a história foi esquecida. O corpo do guerrilheiro desapareceu.

Em 2002, Daniela Arbex, decidida a vasculhar os subterrâneos da história mal contada sobre o “suicídio” de Milton Soares de Castro, consultou o livro de óbitos de 1967 do Cemitério Municipal de Juiz de Fora. Descobriu, com o coração escapando pela boca, que o guerrilheiro estava enterrado na Cova 312, quadra L. Estava revelado um segredo de 35 anos.

Incansável, a repórter descobriu que a necropsia do preso político havia sido feita no Hospital Geral de Juiz de Fora, o Hospital Militar. Os médicos do Exército Marco Antônio Nagem Assad e Nelson Fernandes Oliveira haviam assinado o laudo cadavérico. O médico civil José Guadalupe Baeta Neves havia atestado o óbito. A causa mortis de Milton Soares de Castro: “asfixia por enforcamento”.

A reportagem de Daniela Arbex alcançou repercussão nacional. Mas a repórter queria mais e acabou descobrindo o processo no qual Milton Soares de Castro era citado e estavam as fotografias dele morto. Uma das fotos mostrava seu cadáver “em cima de uma mesa de mármore no Serviço Médico Legal do Hospital Geral do Exército em Juiz de Fora. Havia outras 15 fotografias no processo”.

A pedido de Daniela Arbex, o perito Domingos Lopes Daibert examinou as fotografias. “Não tenho dúvidas. Esse homem foi assassinado. Aparentemente, não há congestão facial. Retenção da circulação, comum em casos de enforcamento. Além disso, quando a morte é por suicídio, o sulco não pode ter sinuosidade, porque o tecido usado para o enforcamento, quando estica, deixa marcas retas. (…) Ele só tem sulco abaixo do pescoço e nenhuma marca deixada atrás das orelhas. Além disso, é impossível um sujeito com mais de 1,80m se enforcar com trinta centímetros de lenço. Não daria nem para dar o nó em volta do pescoço, ainda mais para amarrar em uma torneira que fica a 1,20 metro do solo. A perícia na cela foi feita sem o corpo. Ele morreu enforcado por alguém que usou um fio ou um cadarço dessas botas militares”.

O médico-legista Moacir de Oliveira Ferraz confirmou a avaliação do perito Domingos Daibert: “Não há cianose na face do cadáver, e a descrição do sulco no laudo percial não é compatível com a imagem que você [Daniela Arbex] conseguiu. (…) Falar em suicídio é delírio”.
As reportagens e o livro de Daniela Arbex provam que o guerrilheiro Milton Soares de Castro é (ou era) o Vladimir Herzog esquecido da historiografia brasileira. Foi morto sob tortura, como o jornalista.

O goiano Tarzan de Castro é mencionado no livro, na página 232, como conciliador, contribuindo para evitar derramamento de sangue durante um protesto de presos políticos.
Há falhas de revisão, nada graves, como chamar a Ação Libertadora Nacional, organização criada por Carlos Marighella, de “Aliança”.