Deve a Justiça endossar uma ação que, além de não “curar” o que não se pode curar, provoca dor nas pessoas?

Extração da pedra da loucura, de Bosch

Candice Marques

A imprensa publicou na segunda-feira, 18, que o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da Justiça do Distrito Federal, acatou um pedido liminar feito por alguns psicólogos que querem poder “tratar” homossexuais no sentido de “reverter” sua orientação sexual. O site do Conselho de Psicologia esclarece que a decisão liminar do juiz “mantém a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determina que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogas (os) façam atendimento buscando reorientação sexual. Ressalta, ainda, o caráter reservado do atendimento e veda a propaganda e a publicidade.”.

É importante fazer alguns esclarecimentos a esse respeito. Em primeiro lugar, o psicólogo, segundo o Código de Ética da profissão, não pode propor “cura” em seus tratamentos, conforme pode-se observar no art. 20 – “O psicólogo, ao promover publicamente seus serviços, por quaisquer meios, individual ou coletivamente: e) não fará previsão taxativa de resultados.” Além disso, o art. 2, letra b, desse mesmo código, proíbe o psicólogo de “Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito (…).” Cito apenas dois artigos, mas ressalto que tal tipo de atendimento profissional fere praticamente todos os princípios fundamentais do Código de Ética do psicólogo; basta lê-los com atenção.

Por que esses psicólogos querem autorização do Conselho de Psicologia para fazer experimentos e tratamentos que possivelmente vão gerar mais preconceito e sofrimento psíquico? Eles podem utilizar-se de outros títulos para fazer tais procedimentos sem sofrerem nenhum processo, tais como curandeiros, terapeutas, coach, pois não há para essas profissões um código de ética, uma legislação e muito menos um conselho profissional que lhes proíba tal atuação.

Esses (maus) profissionais sabem que a psicologia, reconhecida como ciência e como profissão, lhes dá reconhecimento e poder para atuarem em seu nome, por isso, mesmo impedidos de realizarem tal “tratamento” se intitulando psicólogos, lutam para que possam fazê-lo. É importante também ressaltar que como tais práticas são proibidas, não há estudos científicos que comprovem que esse tipo de tratamento levaria a uma cura. Sendo importante lembrar que homossexualidade não é doença, e, portanto, não é passível de ser tratada e curada.

Sabemos, de antemão, que a simples menção dessa possibilidade gera um maior preconceito social e um sofrimento para as pessoas LGBT. Se algumas dessas pessoas buscam esse tipo de tratamento é mais por causa de uma sociedade adoecida e de discursos religiosos preconceituosos do que de sua própria condição de ser e de amar.

Candice Marques, mestre em psicologia, é professora de Psicologia na Universidade Federal de Goiás.