Como presidentes buscam controlar ou esmagar empresas públicas de comunicação

26 julho 2025 às 21h00

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, intensificou o uso da estrutura do Estado americano na guerra à imprensa em interesse próprio. Com quatro medidas tomadas na última semana, Trump começou a realizar o que promete há muito tempo: escalar o confronto com a mídia, antes no campo do discurso, para ações práticas. As medidas foram:
- Processar e banir da cobertura de viagens presidenciais o Wall Street Journal, de Rupert Murdoch (antigo aliado e agora desafeto de Trump). Na quarta-feira, 23, o veículo publicou que o presidente teria sido informado em maio de que estava entre os mencionados nos documentos do Departamento de Justiça relacionados a Jeffrey Epstein. Segundo o jornal, Trump teria assinado uma carta de aniversário para o magnata financeiro acusado de comandar uma rede de tráfico sexual de menores, que foi encontrado morto na prisão em 2019.
- A agência de notícias Associated Press é outra organização sancionada; foi barrada de entrar na Casa Branca por se recusar a chamar o Golfo do México de Golfo da América.
- O programa de entrevistas do comediante Stephen Colbert na rede de TV CBS foi cancelado — o humorista fazia piadas com o presidente, e a CBS negocia uma fusão que depende da anuência do governo.
- No último dia 18, o governo cortou US$ 1,1 bilhão em fundos para veículos públicos de comunicação — a medida que corta todo o apoio federal para a National Public Radio (NPR), PBS e suas estações associadas.
Além destes, Trump move muitos outros processos judiciais contra meios de comunicação. Segundo o monitor de liberdade de imprensa, da organização sem fins lucrativso Repórteres Sem Fronteiras, mostra a queda dos EUA no ranking. Em 2016 (antes do primeiro mandato de Trump), o país estava em 41º na lista daqueles onde a atividade jornalística encontra menos amarras. Hoje, está 57º. (No mesmo período, o Brasil foi de 104º para 63º).
Brasil
Trump realiza o que Bolsonaro apenas anunciou durante a campanha presidencial de 2018. O ex-presidente brasileiro classificou a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) como a “TV Lula” e disse que a empresa “não servia para nada” (declarações em entrevista à Jovem Pan). Entretanto, em 2019, Bolsonaro passou a elogiar o órgão, que se tornou em 2021 em uma espécie de “TV Bolsonaro”.
Bolsonaro não foi o único presidente a usar o órgão estatal com fins partidários — Lula nomeou em fevereiro 2023 Hélio Doyle, um dos fundadores do PT, para gerir a empresa, e o destituiu para nomear alguém mais alinhado ao personalismo presidencial.
A razão pela qual os presidentes brasileiros optam por usar a comunicação financiada pelo governo em vez de antagonizá-la é o fato de que a EBC nunca se tornou o que prometia. O modelo que, apenas no discurso, orienta a EBC é o da britânica BBC. Nada mais diferente de uma do que a outra.
Quando Hélio Doyle foi demitido da direção da EBC, poucos meses após assumir, em outubro de 2023, publicou em jornais um artigo diagnosticando os erros que viu na gestão da empresa. Ele escreveu: “Constatamos que a EBC não é verdadeiramente uma empresa de comunicação pública. Faltam a ela e a suas emissoras elementos essenciais de uma comunicação pública: independência em relação ao governo; participação e controle social sobre sua programação e linha editorial; e autonomia financeira”.
Nos Estados Unidos, a PBS e a NPR tinham os três. Trump acabou com a autonomia financeira para tentar controlar as duas outras. A tarefa, entretanto, não será tão fácil, porque essas companhias têm algo que a EBC não tem: audiência.