Como evitar o golpe de Estado e retirar os militares do governo a partir de 2023

15 agosto 2021 às 00h03

COMPARTILHAR
O general Mourão garante que não haverá golpe, mas o grande problema diz respeito a uma saída para tirar do governo 6 mil oficiais

Ante a possibilidade perder a Presidência para Lula da Silva, do PT, em 2022, o presidente Jair Bolsonaro pode apostar num golpe de Estado para se manter no poder. Ele quer e há militares que querem no Exército, na Marinha e na Aeronáutica. Mas as instituições militares são, no geral, legalistas e não foram convencidas, até agora, pelo líder da direita que caminha, a passos largos, para a extrema-direita.
O vice-presidente Hamilton Mourão é um general respeitado pelas Forças Armadas, notadamente pelo Exército. É um insider, com muito mais prestígio do que Bolsonaro, mas a ressalva é que não pode oferecer cargos, isto é, poder e dinheiro. O presidente colocou tanques nas portas do Executivo, do Judiciário (Supremo Tribunal Federal) e do Legislativo, numa ameaça flagrante à democracia. Era uma pressão direta, com a sutileza de um elefante numa plantação de alface, para os deputados federais aprovarem o voto impresso, ou auditável. Mais do que isto, era um sinal de que Bolsonaro pensa em golpe e tem o controle absoluto das Forças Armadas.
No mesmo dia, o general Mourão esteve na casa do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, e garantiu que não há possibilidade de golpe. Segundo reportagem do “Estadão”, o vice-presidente foi incisivo e enfatizou que as Forças Armadas não apoiarão qualquer tentativa de golpe. Portanto, mesmo sob pressão de Bolsonaro, as eleições de 2022 serão realizadas normalmente.
Pode-se confiar no que disse Mourão? É provável que sim, ainda que considerando que, ao contrário dele, Bolsonaro tem a caneta, o poder. Há indícios de que o alto comando militar está, cada vez mais, submisso às suas determinações. A história dos tanques nas ruas de Brasília, no centro dos poderes, saiu exatamente da cabeça de quem? Não deve ter sido apenas da cachola do presidente. Há certo entusiasmo, talvez do ministro da Defesa, Braga Netto — um general respeitável —, com a aventura golpista de Bolsonaro.

A repórter Malu Gaspar, de “O Globo”, publicou no sábado, 14, uma entrevista com o cientista Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, que deveria ser lida com atenção pelos políticos, ministros do Supremo Tribunal Federal e jornalistas.
Lula da Silva, pré-candidato do PT a presidente da República, estaria preparando uma carta aos militares. Octavio Amorim pontua: “Não é isso o que vai fazer com que os militares aceitem abrir diálogo com Lula e o PT. O que é preciso é que o partido fale sobre o que fará na área militar em um eventual governo seu. (…) O que é necessário é um documento um pouco mais técnico sobre a Defesa Nacional, que deixe implícito quais serão as maneiras pela quais os militares sairão do governo como estão hoje, com 6 mil oficiais servindo a administração federal. Isso é fundamental”.
Octavio Amorim postula que “os comandantes militares” estão “cada vez mais se entrelaçando com Bolsonaro, e cada vez tendo menos espaço para se distanciar, caso seja necessário. Não tem porta de saída. E o Congresso tem que ajudar as Forças Armadas a saírem. É por isso que a emenda da deputada Perpétua Almeida (que veta a participação de oficiais da ativa em cargos do governo) é fundamental. (…) Outra coisa seria um pronunciamento do líder e do principal partido de oposição. Não é simplesmente dizer, como Lula tem dito, ‘eu prestigiei as Forças Armadas no meu governo’. Poxa, e daí? A questão não é o passado, é o futuro e o que ele vai fazer. (…) Vai ter de dizer qual é a política de Defesa Nacional a partir de 2023”.

Especialista em questões militares, Octávio Amorim sugere que o PT — ou outro grupo que pretende disputar a Presidência — elabore um documento, “numa linguagem técnica e respeitosa”, para “estabelecer o que, ao fim e ao cabo, diz respeito à função precípua das Forças Armadas, que não é liderar o Ministério da Saúde ou o Ministério de Minas e Energia. É ser o grande instrumento de defesa nacional”.
Lula da Silva criticou recentemente a ditadura da Nicarágua, de esquerda, mas permanece defendendo Cuba e Venezuela. Ao falar do regime nicaraguense, o petista teria dado um sinal de que estaria se distanciando das esquerdas radicais. “Mas se Lula quiser acelerar o passo e evitar esse risco, de que até os liberais estão com medo, de o Bolsonaro continuar insistindo no golpe, usando o ‘meu Exército’ para intimidar a oposição e vai que sai tudo errado e o pior acontece… Meu medo é esse.”
Octávio Amorim afirma que cientistas políticos de seu círculo acreditam que a fala de Bolsonaro é a de um bravateiro, mas ele não concorda inteiramente com isto. “Grande parte é bravata, mas quem sabe? O Brasil é tão incerto hoje em dia que uma confusão enorme nessa área pode acontecer. Fanático não falta na reserva. Na ativa, é outra coisa, apesar da grande confusão. Agora, você olha para o Clube Militar, você vê um radicalismo chocante.”