Até para enriquecer a cobertura do crime em curso à soberania de um país europeu, seria preciso uma imprensa menos direcionada

Repórter Gabriel Chaim, em frente a prédio atingido em Kiev: cobrindo o conflito in loco | Foto: Reprodução

Até o início de fevereiro, para a maioria dos brasileiros que já tinham ouvido falar sobre a Ucrânia, o país era basicamente um discreto integrante da Europa oriental.

Embora extensa territorialmente – com área equivalente à do Estado de Minas Gerais –, para leigos a nação parecia não desempenhar nenhum papel de destaque na agenda mundial. Só parecia, como se observou a seguir. Na geopolítica do continente e na disputa entre duas superpotências militares, a Ucrânia é uma peça chave e é em torno dela que temos hoje uma guerra ainda sem contornos previsíveis.

A primeira crítica a fazer sobre o comportamento da imprensa nacional sobre o caso é em relação ao pouco destaque à crise nos noticiários – na TV, nas rádios, nos impressos e mesmo nos portais – quando ela já se mostrava sem solução, com o conflito iminente. Dessa forma, para muita gente que age de modo passivo em relação à informação – isto é, que mais a recebe do que a procura – , a sensação foi de que uma guerra havia começado do nada, enquanto que as origens do conflito remontam à primeira metade da década passada, notadamente com a anexação da península ucraniana da Crimeia pela Rússia, em 2014.

Na primeira semana de avanço dos russos, a cobertura se baseou em rechaçar terminantemente os invasores e mostrar o drama dos que estavam no país e dos que buscavam sair de lá, claro, com enfoque nos brasileiros. Pelo menos quatro redes de TV enviaram correspondentes ao país agredido: a CNN Brasil, com Mathias Brotero – que estava em Moscou; a Record, com Leandro Stoliar; a Band, com Yan Boechat; e o SBT, com Sérgio Utsch.

A Rede Globo, maior conglomerado de comunicação do País, tem contado com Gabriel Chaim, que não é do quadro de correspondentes, mas está contratado para a cobertura e hoje é o único brasileiro que participa da cobertura diretamente da capital, Kiev. Chaim também já cobriu a guerra na Síria, foi na contramão: enquanto centenas de milhares deixam o país, fugindo das bombas, ele foi para o alvo principal. Também trabalham na cobertura para a Globo Rodrigo Carvalho, do lado polonês da com a Ucrânia, e Marcelo Courrege, que viajou de Paris para Moscou.

Editorialmente, as redes, longe de não tomar lado – até porque há um país que foi invadido por outro e isso é um crime pelo direito internacional –, têm mostrado um posicionamento pró-Ucrânia desde o início da cobertura.

A Globo, especificamente, que conta com vários analistas, principalmente na cobertura pelo canal por assinatura Globonews, têm ressaltado o lado humano: os que fogem da guerra, os que não têm como fazer isso, os que estão entrando no país para lutar voluntariamente.

A questão, porém, fica manca quando não se aprofunda no caldo histórico-cultural que envolve a relação entre Rússia e Ucrânia ao longo dos séculos. E é estranho que haja tanto consenso nas mesas de debates, a ponto de repudiarem, como fez o jornalista Jorge Pontual, uma visão considerada mais dissonante, como foi a do historiador Rodrigo Ianhez – que mora na Rússia e que, convidado pela emissora, chegou a apresentar a versão da imprensa e da diplomacia do país para o conflito.

Sempre que existe uma situação limite como uma guerra, a informação é uma arma às vezes mais importante do que um míssil. Vladimir Putin, o agressor, que talvez não pensasse que a aventura na Ucrânia custaria tão caro e certamente considerava formatar um desfecho mais rápido para o conflito, sabe muito bem disso e já “protegeu” sua população de ouvir, ler ou ver fontes independentes. O noticiário oficial não fala em guerra, mas em “ação militar” na Ucrânia. De qualquer forma, vai ser difícil esconder a crise econômica.

No Brasil, porém, parece haver uma recusa em discutir o ponto de vista russo. Seria como dar ao vilão o mesmo direito à vítima, talvez considerem alguns veículos. O problema é que não dá para conhecer a questão da Ucrânia escondendo o que há por trás dos interesses russos. Seria apenas expansionismo imperialista? Putin quer mesmo avançar sobre a Europa, como Adolf Hitler fez a partir de algumas anexações no pré-2ª Guerra?

Até para sanar essas dúvidas e enriquecer a cobertura do crime em curso à soberania de um país, seria preciso entrar mais dentro da história milenar da Rússia – o que, naturalmente, também envolveria a Ucrânia.