Cia das Letras publica livro de Celso Furtado sobre sua luta contra o nazifascismo na Itália

13 setembro 2025 às 21h00

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O economista Celso Monteiro Furtado (1920-2004 — viveu 84 anos) era, em termos globais, uma figura rara. Como cidadão, homem público e intelectual. Modelar, não sem contradições, que, longe de diminui-lo, sempre o engrandeceram.
Sua decência era irmã siamesa de sua competência. Os governos de Juscelino Kubitschek, João Goulart e José Sarney puderam contar com seus préstimos de estadista. Sim, estadista.
Foram governos buenos (o de Sarney? Nem tanto) devido, em larga medida, ao cérebro e a eficiência do economista que a Paraíba deu ao mundo, tornando-o uma figura globalizada. Um economista, intelectual e gestor do alto clero em qualquer lugar — da Europa aos Estados Unidos, da China ao Japão, de Angola a Moçambique.
Com sua modéstia e descortino, Celso Furtado não gostaria de ler, decerto, o que se escreverá a seguir. Ainda assim, vamos lá: quando falarem de Celso Furado, se acrescentarem, “o Grande”, não como Pedro, e sim como Keynes, não titubeie. Repita: “o Grande”, talvez seja mais adequado com o artigo “o” maiúsculo — “O Grande”.
Fala-se muito em Pelé e Ayrton Senna como figuras globais, brasileiros célebres em todo o mundo. Merecidamente.

Mas, para mim, o Brasil é um país maiúsculo por ter gestado Machado de Assis, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Ana Maria Gonçalves, Carlos Drummond de Andrade, Villa-Lobos, João Gilberto, Elis Regina, João Cabral de Melo Neto, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro e Celso Furtado.
Mas, se dissesse “cite apenas um”, eu responderia: “Não posso. Cito três: Machado de Assis, Drummond de Andrade e Celso Furtado” (ainda que meu escritor preferido seja Graciliano Ramos, e não o brilhantíssimo autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o melhor romance “inglês” escrito por um brasileiro — negro como minha bela e altiva avó Frutuosa).
Celso Furtado passou a vida a lutar para melhorar o Brasil. Por isso, buscou entendê-lo, da maneira mais ampla possível, em seus livros, como “Formação Econômica do Brasil”.

Mas não era apenas um scholar. Pelo contrário, se tinha um pé na academia — sobretudo no exterior (França e Estados Unidos) —, tinha o outro, digamos, na realidade. Como ministro, e mesmo em outros cargos, elaborou plano para levar o país ao crescimento econômico, mas sem esquecer de ressaltar que era preciso combiná-lo com o desenvolvimento.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Celso Furtado lutou contra o nazifascismo, na Itália, como tenente.
A história de Celso Furtado como militar, na batalha europeia para derrotar Hitler e sequazes, é pouco conhecida, o que reforça o valor do livro que está sendo lançado: “O Tenente — Cadernos de um Expedicionário na Segunda Guerra Mundial” (Companhia das Letras, 216 páginas), organizado pela jornalista, escritora e tradutora Rosa Freire d’Aguiar, mulher do economista.

Sinopse da Editora Companhia das Letras
“Em edição fartamente ilustrada e anotada, o autor de ‘Formação econômica do Brasil’ escreve sobre sua experiência como pracinha da Força Expedicionária Brasileira na Itália.
“Em 1942, quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, Celso Furtado tinha 22 anos e sabia que poderia ser convocado a qualquer momento.
“Como aspirante a oficial, o segundo-tenente esteve em missões na Toscana e em Nápoles, atuando de fevereiro a setembro de 1945 no posto de oficial de ligação junto aos Aliados.
“Furtado escreveu contos, cartas e breves ensaios sobre esse período, em que narrou o dia a dia entre os militares, a camaradagem com os demais soldados, o encontro com pessoas devastadas pelo conflito, as viagens para as cidades próximas, e também os impactos pessoais e políticos da guerra.
“Reunidos em ‘O Tenente”, tais textos apresentam outra faceta de um dos mais influentes economistas do Brasil e revelam em primeira mão o testemunho dos pracinhas na Segunda Guerra Mundial.
“Este volume inclui uma ampla seleção de fotos e documentos históricos, além de introdução e notas de Rosa Freire d’Aguiar.”
Micro história de Benvindo Belém de Lima

Um parente de Raul de França Belém, meu pai — o tenente Benvindo Belém Lima —, foi à Segunda Guerra Mundial, na Itália. Voltou ferido e, aparentemente, com algum tipo de neurose de guerra. Ele tinha quase 2 metros de altura.
Benvindo Belém de Lima voltou para sua Ítaca, Pindorama do Tocantins (na época, de Goiás), uma bela, pequena e aprazível cidade. Comprava cavalos velhos e colocava nos pastos da fazenda da família. Era, antecipando-se aos atuais cuidadores de cachorros, gatos e outros animais, um protetor. Adotou o hábito de usar roupas idênticas — calças, por exemplo, sempre da mesma cor.
A guerra, na qual morreram de 60 milhões a 80 milhões de pessoas, não aparecia nas suas conversas. De acordo com Raul Belém, quando começavam a falar sobre o assunto, Benvindo Belém de Lima levantava-se e saía, agastado.
Quando perguntavam a Benvindo Belém de Lima: “Você matou muita gente na Itália?” — o tenente respondia: “Não sei. Eu não fazia mira”. Depois, desconversava.
O longilíneo militar — alto, magro e forte — voltou com ferimentos das lutas na Itália e acabou morrendo aos 32 anos. Não perdera a lucidez, e sim, quem sabe, certo encanto pela vida.
Fico a pensar: terá os tenentes Celso Furtado e Benvindo Belém de Lima se encontrado na Itália? Talvez.
Goiás nunca homenageou Benvindo Belém de Lima e, certamente, nunca o fará. Mas Minas Gerais homenageou o pracinha goiano-tocantinente dando seu nome a uma bela e arborizada rua de Belo Horizonte — a Avenida Expedicionário Benvindo Belém de Lima. Estive lá, em 2021.