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A troca de William Bonner por César Tralli na apresentação do “Jornal Nacional” — o principal telejornal da TV Globo —, a partir de novembro, persiste repercutindo em jornais e, sobretudo, sites.

William Bonner e César Tralli são dois jornalistas gabaritados e experientes. A rigor, a mudança equivale a trocar seis por meia dúzia? Talvez não.

Durante anos, William Bonner trabalhou (trabalha) como apresentador, ainda que, como editor-chefe do “Jornal Nacional”, envolveu-se com reportagens dos jornalistas, inclusive pautando-os. Ainda assim, não tem longa experiência como repórter.

César Tralli foi repórter, dos mais bem-informados, quase a vida toda de profissional. Há pouco tempo, passou à apresentação tanto na GloboNews quando no “Jornal Hoje”, da Globo.

Trata-se de um apresentador diferenciado. Porque não fica à espera tão-somente daquilo que os repórteres, indo às ruas, levam para a redação. César Tralli dialoga com suas fontes e o telespectador, mesmo aquele não atento, percebe que também apura. Não é um mero ledor de notícias (talvez William Bonner também não seja, mas não é o que parece).

Uma síntese que não pode excluir a análise

A síntese das notícias do dia feita pelo “Jornal Nacional” é bem-feita e, por isso, serve de referencial para os telespectadores que, durante o dia, não tiverem tempo suficiente para se informar.

Entretanto, com o celular à mão o dia inteiro, os brasileiros acabam por ter acesso às notícias em tempo real.

Por isso, às vezes, ao assistir o “Jornal Nacional” à noite, logo depois de chegar do trabalho, o telespectador pode ficar com a impressão de que está vendo uma coisa velha, até desatualizada.

Cristiana Sousa Cruz foto de Cicero Rodrigues TV Globo
Cristiana Sousa Cruz: nova editora-chefe do Jornal Nacional | Foto: Cicero Rodrigues/TV Globo

O que fazer, sobretudo o que César Tralli pode fazer, como apresentador e repórter — que nunca deixou de ser — para dinamizar o “Jornal Nacional”? Não será fácil. Porque, em termos de audiência, o modelo do “JN” ainda faz sucesso.

De que o “Jornal Nacional” precisa para ficar “atualizado”, mais “vivo”, digamos assim? Primeiro, divulgar reportagens um pouco mais abrangentes, não superficiais — destas que são divulgadas para cumprir tabela.

Segundo, redescobrir o Brasil. O que significa ver e rever o país. Mostrar o que os brasileiros fazem em seus Estados. Por exemplo: no lugar de apresentar estatísticas, mostrar quais são os produtores rurais que exportam para a China e outros países. Quem são eles? As mineradoras que exploram o subsolo do país investem quanto do que faturam nos municípios?

Mostrar o país não deve resultar na exploração do exótico e de escândalos. É exibir o gigante multifacetado — com Estados que, falantes em português, são, na prática, países, de tão diferentes, ainda que unificados pela língua.

Joel Pinheiro Foto Divulgação
Joel Pinheiro: um comentarista que se daria bem no “Jornal Nacional” | Foto: Divulgação

Nações continentais são díspares em suas várias regiões (e seus Estados) e o jornalismo precisa descobrir um meio de representar-contemplar esta diversidade em suas reportagens, e sem querer impor modelos, como os de São Paulo e Rio de Janeiro.

Hoje, quem assiste o “Jornal Nacional” — e telejornais da Band e da Record — fica com a impressão de que o Brasil é composto de dois Estados, São Paulo e Rio de Janeiro, e o Distrito Federal (Brasília, notadamente).

Os demais Estados, fantasmais, aparecem, aqui e ali, como assombro, como “diferentes”: o governador foi afastado, fulano matou sicrano etc.

Há o problema de que, por não ter opinião — exceto pela leitura eventual de um editorial —, o “Jornal Nacional” às vezes fica com a imagem de que é insosso.

Não se está a defender que o “Jornal Nacional” se torne palco exclusivo de opiniões. Ninguém suportaria isto. O que se sugere é outra coisa. Durante a programação diária, o “JN” poderia inserir de um a dois blocos para comentar as principais — ou a principal — notícias do dia.

Maria Cristina Fernandes 2 Foto Reprodução
Maria Cristina Fernandes: a cobertura política do “JN” ficaria melhor com suas análises | Foto: YouTube

Guga Chacra poderia comentar a crise entre Israel e Palestina e Marcelo Lins poderia dissecar a guerra da Rússia contra a Ucrânia. Demétrio Magnoli — Joel Pinheiro ou Maria Cristina Fernandes — poderia discutir a política nacional. Flávia Oliveira poderia analisar a economia.

Claro, seria preciso tomar cuidado para o “JN” não se tornar o “Em Pauta” 2. O programa da GloboNews é de qualidade, como opiniões às vezes sólidas. Mas os modelos do “Jornal Nacional” e do “Em Pauta” são diferentes.

O que se está propondo não é um “Jornal Nacional” filosofante, chato, e sim um telejornal que ajude o telespectador a entender o que está acontecendo em seu país e no mundo.

César Tralli e a nova editora-chefe, Cristiana Sousa Cruz — jornalista de primeira linha, dizem os colegas —, terão como adotar mudanças reais para melhorar o “JN”, para deixá-lo atualizado ante os olhos e ouvidos dos telespectadores?

Se não promoverem mudanças efetivas, no perfil do jornal, assistirão, ao longo do tempo, uma fuga, cada vez maior, de telespectadores para os canais exclusivos de notícias ou, ainda mais, para os múltiplos canais de entretenimento.

É preciso esperar. Oxalá a troca de William Bonner por César Tralli e Cristiana Sousa Cruz represente uma mudança e não apenas, como às vezes ocorre, trocas de nomes.

(Finalmente, para rir com o leitor: um site, salvo engano o Brasil 247, diz que a saída de William Bonner representa um recuo da Globo à direita. A “simples” mudança de um apresentador — e, frise-se, o jornalista não queria mais continuar como titular do “Jornal Nacional” — obviamente não tem nada a ver com isto. É uma bobagem típica da “ideologicite”.)