Caso WikiLeaks: brasileira conta como participou do “maior” furo jornalístico da história

07 julho 2024 às 00h00

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O indivíduo está à mercê do Estado, cujos representantes, sob qualquer qualquer pretexto, legal ou não, podem imiscuir em sua vida. Em nome da nação, dos supostos interesses coletivos, os homens do Estado podem tudo — ou quase. Os Estados Unidos, com suas agências que lidam com informação — e não falo apenas da CIA, a face mais conhecida —, vasculham os bastidores de vários países, intrometendo-se na intimidade de políticos, empresários, jornalistas e profissionais liberais. De qualquer cidadão supostamente “suspeito”.

Por que os Estados Unidos podem mergulhar nos escaninhos dos outros países, portanto se metendo na vida de cidadãos não norte-americanos? A rigor, não podem. Porque estão ferindo as leis nacionais das demais nações. Porém, ao império controlado pelos democratas e republicanos — não importando se está no poder Donald Trump ou Joe Biden —, os países, todos eles, podem e devem ser investigados a bel-prazer.
Em nome da segurança dos Estados Unidos, seus governantes fragilizam a segurança dos outros países. Vasculhar os “segredos” de aliados ou não é um crime global. Entretanto, como é cometido por um Estado, notadamente o mais poderoso da Terra, não é considerado como crime e, por isso, não há nenhuma penalização.

O mundo não tem dono ou donos. Mas os Estados Unidos, hoje confrontados pela China em termos “imperiais”, se consideram xerifes do mundo — proprietários de almas vivas e mortas, diria Nikolai Gógol, o notável escritor ucraniano.
Se os Estados Unidos “podem” buscar informações privadas nos países pelo mundo afora, para se fortalecer como potência militar e econômica — atuando de maneira ilegal —, os indivíduos não podem, em contraposição, divulgar isto.
Porém, em 2010, o WikiLeaks, sob comando de Julian Assange, não aceitou as regras do Tio Sam e divulgou mais de 700 mil documentos oficiais do governo americano. Ficou escancarado que os Estados Unidos espionavam aliados e adversários — não muito diferente do que se fazia na Guerra Fria. Só que, se antes o alvo era mais a União Soviética e os países socialistas do Leste Europeu — além de, no Caribe, Cuba —, agora o país de Abraham Lincoln e Franklin D. Roosevelt estava investigando, sem qualquer aviso prévio, quase todos aqueles países que lhes interessavam.

Estou entre os que aprovam o trabalho do WikiLeaks, da equipe de Julian Assange. Afinal, se os Estados Unidos criam insegurança e instabilidade para os outros países, usando informações privilegiadas para sustentar sua política planetária, por que isto não pode ser divulgado?
Alega-se que o WikiLeaks, ao divulgar informações confidenciais, prejudicou a segurança dos Estados Unidos. Entretanto, quanto à segurança dos investigados — que tiveram suas informações manipuladas por várias mãos indiscretas —, não se diz nada.
No lugar de ganhar o aplauso internacional, por ter publicado a sujeira que os Estados Unidos fazem contra outros países, como o Brasil, Julian Assange acabou preso. O australiano só foi libertado depois de um acordo com os Estados Unidos, tendo-se considerado “culpado” pelo vazamento das informações.
No Brasil, na divulgação dos documentos, o WikiLeaks operou com os jornais “Folha de S. Paulo” e “O Globo”. Sua representante local foi a jornalista Natalia Viana, que participou da organização dos documentos em Norfolk, cidade da Inglaterra.
Natalia Viana foi a única jornalista a operar com o WikiLeaks na Europa. Agora, está publicando o livro “O Vazamento — Memórias do Ano em que o WikiLeaks Chacoalhou o Mundo” (Fósforo, 334 páginas).
A respeito da libertação de Julian Assange, Natalia Viana disse ao repórter Lucas Monteiro, da “Folha de S. Paulo”: “O governo Biden entrará na história por obrigar uma pessoa a reconhecer culpa por um trabalho jornalístico usando a lei de espionagem contra o vazador. Ou seja, a notícia é boa em termos humanitários, mas é muito ruim em termos de liberdade de imprensa”.
Fundadora da Agência Pública, Natalia Viana afirma que o livro “O Vazamento” não é sobre o WikiLeaks e Julian Assange, mas sobre ela mesma — “como uma jovem jornalista brasileira entrou no maior furo da história”.