Carta a Vera Brant: Juscelino Kubitschek confidencia que deprimia-se ao visitar Brasília

16 setembro 2014 às 09h54
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Rio de Janeiro (GB),
6 de dezembro de 1973
Minha boa amiga Vera Brant,
Estou no Rio, mas não se extinguiu em mim, em minha capacidade de sentir, a lembrança dos instantes admiráveis que você, com sua graça, simpatia e inteligência soube proporcionar-me em Brasília. E penso, com a larga experiência dos homens e das coisas, que nada tão precioso quanto receber bem, integrando o visitante na atmosfera que o rodeia.
Na sua casa, usufruindo de uma hospitalidade tradicionalmente afamada, tive a impressão de que um pedaço de nossa Diamantina se deslocava de seus serros alcatifados e vinha ao planalto envolver Brasília, absorvendo-a na sua totalidade.
As noites de estrelas iluminando as distâncias formavam o cenário de sua poesia comovente e tão delicada, às vezes tisnada de um realismo que contunde, sem ser, no entanto, o mórbido pessimismo. Humana, sensível como é, natural que a depressão a visite, mas reação vem da musa que fala no seu estro:
“Não deixarei que a madrugada
avance sobre o meu tédio
e o meu cansaço
Ela que ameaça auroras
e que só traz dias iguais”
A seu lado, querida amiga, minha estada em Brasília assumiu aspecto diferente e embora não seja dado a confidências, uma insisto em fazer-lhe: Brasília, nesses anos tempestuosos que o destino me impôs, deprimia-me quando aí, por uma circunstância ou outra, tive de estar. Possivelmente minha capacidade de assimilar vacilasse entre o esplendor do passado, quando então a construímos e estas horas intermináveis de borrasca. Desta vez, em sua casa, pude respirar aura de grande ternura, achando espalhada por todos os cantos a mensagem de um carinho tão sincero. E a quem devo tudo isto, senão a você, à sua bondade, à sua capacidade de ser útil, de levar a todos a alegria que mora no seu coração.
Li os seus versos. Belos, fluentes e não só os aprecio como deles me envaideço. É o espírito de Diamantina que flui nas suas veias, que desce de tão alto para viver em você, tornando-a afetuosa convergência.
Receba meu grande e reconhecido abraço
Juscelino Kubitschek
Nota da redação: A carta foi transcrita do livro “JK — O Reencontro com Brasilia” (Record, 94 páginas, de 2002), de Vera Brant.