O socialismo queria que todos fossem iguais. O capitalismo realizou o seu sonho: todos querem consumir e fazer as mesmas coisas

Pais são, no geral, totalitários. Quando muito bons, se tornam, por vezes, carcereiros de si e dos filhos. Dão amor e querem amor e, sobretudo, gratidão. Ao final da “troca” afetiva, há prazeres e dores. O filme “Capitão Fantástico”, de Matt Ross, é sério, mas não é demasiado sério — é uma espécie de pai que às vezes é avô e de avô que às vezes é pai. Ben Cash (o excelente ator Viggo Mortensen) retira-se do mundo, parcialmente, em companhia de seis filhos, que o seguem de maneira apaixonada, com ligeiras rebeldias, inclusive num dia escolhido para homenagear o linguista e crítico político Noam Chomsky (talvez o momento mais risível da película).

Tudo vai muito bem, até que começam a surgir divergências. O garoto mais velho, brilhante (e educado em casa, não em escolas), recebe comunicados de que foi aceito pelas melhores universidades americanas, como Columbia, Harvard, Princeton, MIT. O pai avalia que foi traído pelo filho, que acaba permanecendo no campo. Outro menino mantém uma relação de estranhamento com Ben Cash.

Quando a mãe dos garotos morre (se mata) — tinha transtorno bipolar —, Ben Cash e os filhos pegam o ônibus velho e se dirigem para a cidade dos avós paternos. Lá, os aliens da selva assustam os parentes, que são seres integrados à sociedade de consumo — cultores de celulares e videogames violentos. A família tradicional prefere enterrar o corpo, mas, em testamento, a mulher pede que seja cremada e as cinzas jogadas numa privada.

Na cidade dos “normais”, ou integrados, Ben Cash acaba se convencendo (teoricamente) de que é melhor deixar os garotos com os avós, para integrá-los ao mundo tradicional — o aceito pela maioria. Aí se dá uma verdadeira reviravolta, que não convém relatar, para não estragar o prazer de quem vai ver o filme.

O filme trata de uma mesma sociedade, mas com pessoas vivendo de maneiras diferentes. O pai, um hippie tardio, que preparou os filhos intelectual (são sábios, leem Fiódor Dostoiévski e Vladimir Nabokov, por exemplo) e fisicamente (são verdadeiros atletas), começa a se tornar um agente totalitário, mas, no meio do caminho, cede, preservando sua identidade e a dos meninos. Não há dúvida: trata-se de um belo filme.

Li, no “Estadão”, a atenta crítica de Luiz Carlos Merten, na qual afiança que o filme “é para os que ainda sonham com a revolução”. Penso ligeiramente diferente do, como disse, preciso comentarista do jornal paulista. O que Ben Cash quer não é revolucionar a sociedade, e sim sua vida e a de seus filhos. Planeja uma vida mais próxima da natureza e de valores culturais mais sólidos, perenes, universais. Talvez se possa falar numa revolução — ou evolução — do indivíduo e não das massas. Apesar de citar Noam Chomsky, quase de maneira caricata, embora os personagens admirem de fato o linguista de esquerda, “Capitão Fantástico” não é, a rigor, um filme de matiz marxista. É ripongo cult. Um olhar “de fora” — empático e, ainda assim, conflitante — para que possamos nos ver em perspectiva. Um belo filme sobre o que não somos (mais) e sobre o que estamos perdendo: uma vida mais comunitária, menos meramente consumista. Mas há como escapar da vida tentacular do consumo, do ato de viver plugado num celular? Pelo visto, não. Queremos (e podemos) até criticar, mas, no fundo, vivemos como todos os demais, fazendo as mesmas coisas. Cada vez mais integrados e cada vez menos apocalípticos.

O socialismo queria que todos fossem iguais. O capitalismo realizou seu sonho: apesar das diferenças sociais, que estão sendo reduzidas, somos praticamente iguais e queremos as mesmas coisas. O filme é um toque. Talvez só isso.