COMPARTILHAR

O presidente da República é inteligente, mas parece acreditar que só ele tem capacidade de articular e surpreender o país

Na democracia, os poderes vitais, que garantem a estabilidade institucional de um país, são o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Comumente, mesmo em países altamente estáveis, o Executivo tende a pressionar tanto o Legislativo (mais) quanto o Judiciário (menos). A tendência é que se dê um ajuste, com pesos e contrapesos — e a interdependência acaba por funcionar. Há pouco tempo, o presidente Jair Bolsonaro, do Executivo, o presidente Dias Toffoli, do Judiciário, e os presidentes Rodrigo Maia, da Câmara dos Deputados, e Davi Alcolumbre, do Senado, se encontraram como se estivessem dizendo, mesmo sem explicitar com palavras, que a democracia estava garantida. Trata-se de um pacto implícito, que nem toda a imprensa entendeu bem.

Jair Bolsonaro: político inteligente mas trata os adversários como “bobos” | Foto: Reprodução

Há, no momento, um poder excedendo, o Executivo, sobretudo por causa da maneira intempestiva de Jair Bolsonaro agir. Aliás, mais falar do que agir. Porque, a rigor, ainda não atentou contra a democracia. Mas convocar militantes pra protestar contra o Congresso não é missão de presidente efetivamente democrático.

Jair Bolsonaro também tem atacado, com frequência, o que chama de mídia (já disse que um repórter tinha “uma cara de homossexual terrível” e que uma repórter queria dar o “furo” — sempre com conotação sexual). Ele trata a crítica, que é necessária, como “ataque” — o que é um equívoco (mas intencional).

De alguma forma, Jair Bolsonaro está repetindo Lula da Silva e Dilma Rousseff, que também se comportavam com certa paranoia quanto às críticas da imprensa. Os dois petistas se diziam “perseguidos” e o presidente atual não age de modo diferente. A “mídia” estaria contra o governo, fazendo-lhe oposição e até querendo derrubá-lo.

A imprensa deve ser criticada e há jornais, como a “Folha de S. Paulo”, que pagam um profissional, o ombudsman, para criticá-los interna e publicamente. Portanto, Jair Bolsonaro poderia fazer uma crítica mais consistente do jornalismo patropi, embora não seja, claro, sua função. O que tem dito não é crítica, e sim uma maneira de depreciar profissionais sérios. Resulta em quê? Em desgaste, sobretudo para o presidente, que vai cristalizando uma imagem de “grosseiro”, “agressivo” e “rancoroso”. Como a história do presidente será contada depois de 2023 ou de 2027 — a partir do momento em que não estiver mais no poder? Talvez ele não se importe com isto, especialmente agora quando é adulado pelos áulicos — inclusive, surpreendentemente, jornalistas — porém, mais tarde, quando estiver sozinho e talvez esquecido, será mais lembrado pelas diatribes que disse do que por supostas realizações. No momento mesmo, há uma pauta positiva do governo, mas a fala de Jair Bolsonaro atrai unicamente para a pauta negativa. A escolha é tanto de Bolsonaro quanto da imprensa. No fundo, é inescapável.

O fato de ser um ás do contencioso — acha que faz sucesso por causa disso, e que, se se moderar, perde energia entre o povão e militantes, daí a tese de campanha permanente — acaba por empurrar a imprensa para um jornalismo que perde tempo com picuinhas (e não, é claro; o debate sobre democracia é sempre crucial. Mas é preciso especificar a agressão à instituição “x” que acaba por comprometer a democracia). Além disso, afasta o centro político. Por isso não será surpreendente se esquerda e centro entabularem — em 2022 — uma aliança política para tentar retirar Jair Bolsonaro da Presidência da República. O presidente afirma que a imprensa — a “mídia” — lhe faz oposição e é bem possível que, na disputa da eleição, os jornais e revistas, sobretudo, vão jogar pesado contra seu governo, para desgastar o “candidato”. Mas quem cria “adversários” para o presidente não é a imprensa, e sim o próprio Bolsonaro.

Há alguma “intelligentsia” por trás do discurso e ações de Bolsonaro? Não se sabe. Quer unir todos contra ele para formatar a tese de que são farinha do mesmo saco? Não se sabe. Bobo, o presidente não é. Mas, como afirmou um filósofo, o inteligente mais perigoso é aquele que chama de “bobo inteligente”. Quer dizer, a figura do sujeito que é inteligente — e Bolsonaro, como Lula da Silva, é muito inteligente, não tem é o que chamam de “cultura letrada” —, mas que acaba se perdendo por avaliar que todos os outros, notadamente, seus adversários, são “bobos”. Aliados de Bolsonaro, os que pensam realmente e não apenas no imediato — os que entendem de comunicação e ciência política —, precisam “acessar” o presidente e sugerir algumas mudanças de percurso. Antes que seja tarde. Observe-se que as eleições presidenciais vão ocorrer daqui a dois anos e sete meses.