O artista plástico Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque Melo (1897-1976) — ele certamente se apresentaria como pintor, assim como Picasso e Miró — merece uma biografia à altura tanto de seu talento quanto de sua história. Pode-se contar a história do século 20 brasileiro pela vida do pintor, desenhista, ilustrador, muralista e caricaturista.

Di Cavalcanti foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna que, queiram ou não, é mesmo um divisor de águas na cultura patropi. Mesmo aqueles que produziram uma obra superior aos integrantes da Semana — Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto — devem alguma coisa, uma coisinha que seja, à “revolução” dos modernistas de 1922.

A revolução modernista talvez tenha sido mais forte como movimento e influência do que em termos da qualidade da literatura produzida por seus líderes. Não está se dizendo que a escrita da turma de 22 é ruim, e sim que a geração posterior — Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo — produziu uma prosa e uma poesia de mais qualidade, com maior poder de invenção. Porém, de alguma maneira, todos devem à Semana de 1922. Talvez nas artes plásticos a Revolução Modernista tenha sido mais Revolução e influente. Di Cavalcanti — com Anita Malfatti e Tarsila do Amaral — é uma influência forte nas artes do país. E também foi comunista de carteirinha.

Di Cavalcanti: um dos mais importantes pintores brasileiros | Foto: Reprodução

A história do pintor, um faz-tudo, é contada agora na biografia “Di Cavalcanti — Modernista Popular” (Companhia das Letras, 536 páginas), de Marcelo Bortoloti. O título estaria sugerindo que outros, embora modernistas, não eram populares? Talvez. O mais provável é que Di, comunista, tenha se tornado, por assim dizer, um homem do povo, um artista que, “político”, queria melhorar a vida dos pobres. Com certa adesão ao populismo, sua obra perdeu qualidade (teria sido realista socialista?)? É provável que não. O mais provável é que o artista talentoso tenha sido “derrotado” pelo esteta refinado.

Sinopse da Editora Companhia das Letras

“Uma incursão na personalidade caleidoscópica de um dos grandes ícones do modernismo brasileiro em suas facetas artística, intelectual e boêmia.

“Quando Emiliano de Albuquerque Mello mostrou pela primeira vez um desenho artístico feito a lápis a seu amigo e mentor Gaspar Puga Garcia, o incentivo que recebeu — “você será pintor” — provavelmente soou mais como amizade do que vaticínio para o adolescente. No entanto, o passar dos anos confirmaria o julgamento de Puga, e Di Cavalcanti vivenciaria, na maturidade, a consagração de seu trabalho pictórico.

Pintura de Di Cavalcanti

“Enfrentando adversidades financeiras e com uma formação artística dispersa, o pintor pouco a pouco desenvolveu um estilo enriquecido pela sensibilidade e pelo olhar atento à realidade que o cercava — decorrência de sua consciência de classe e de uma vida boêmia. A observação dos tipos sociais e das manifestações culturais levaram Di a uma expressão plástica própria, que sintetizava as tendências estéticas europeias com o ideal da criação de uma arte que se pudesse chamar de brasileira, escolhendo como assunto para suas telas personagens e elementos da cultura popular.

“Um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti construiu uma iconografia particular, que ganharia caráter de referência cultural para o imaginário nacional. Em um livro envolvente, Marcelo Bortoloti conta essa história — a vida de “um indivíduo em eterna luta para elaborar uma arte original, contra muitos adversários, inclusive ele próprio.”

Opinião de Denise Mattar sobre a biografia

“Através de uma pesquisa acurada e escrita fluida, Bortoloti traça, de forma inédita, o percurso pessoal de um dos mais importantes artistas brasileiros. Uma publicação que apresenta a personalidade múltipla de Di Cavalcanti sob um prisma diverso do conhecido, abrindo novos caminhos para a compreensão de sua obra.”