Jornal que se propõe a defender a causa do povo não pode ser, de forma alguma, jornal neutro. Há de ser, forçosamente, jornal de opinião.  Edmundo Bittencourt, fundador do Correio da Manhã

Fundado em 1901, há 124 anos, o “Correio da Manhã” é (continua vivo e ativo) um dos maiores jornais do Brasil.

Em 1964, postando-se contra o governo do presidente João Goulart, o “Correio da Manhã” apoiou o golpe de Estado. Dois de seus editoriais, “Basta” e “Fora”, influenciaram parte dos brasileiros a apoiar a deposição de Jango.

Porém, ao contrário de outros jornais, como o “Jornal do Brasil”, “O Globo” e “Folha de S. Paulo” — que persistiram entusiasmados com a ditadura —, o “Correio da Manhã” desencantou-se rapidamente, nas primeiras semanas, com o governo dos generais.

Niomar Bittencourt foto Instalgram

A história do “Correio da Manhã” pode ser conferida na biografia “A Mulher que Enfrentou o Brasil — A Arte e a Coragem de Niomar Moniz Sodré Bittencourt” (Correio da Manhã, 238 páginas), de Ricardo Cota.

Espécie de Katharine Graham do Brasil, Niomar Bittencourt assumiu a direção do “Correio da Manhã” em 1963, em seguida à morte do marido, Paulo Bittencourt. Tinha 1,5m e, sobretudo, muita coragem. Seu lema era “a liberdade é um dogma”.

O editor-chefe do “Correio da Manhã” era Janio de Freitas, até hoje no batente, com mais de 90 anos, e o diretor-superintendente era Osvaldo Peralva. Paulo Francis era editor do caderno de cultura e Ruy Castro um de seus repórteres. (Janio de Freitas, um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, caiu fora do “Correio” quando Paulo Bittencourt morreu, em 1963, porque acreditava numa guinada do jornal à direita.)

Niomar Bittencourt com JK Foto Arquvio de Niomar
Niomar Moniz Sodré Bittencourt com o presidente Juscelino Kubitschek | Foto: Arquivo Niomar Bittencourt

Em 1968, com o AI-5, a ditadura prendeu Osvaldo Peralva. Desafiante, a pequena-gigante Niomar Bittencourt disse: “Por que não me prendem e estão levando só o Peralva?” Um dos militares contrapôs: “Não temos ordem”.

Como o “Correio da Manhã” havia se tornado uma referência crítica à ditadura, o governo do general-presidente Costa e Silva instalou censores na redação. Pressionados, os anunciantes caíram fora. A linha dura jogou até bomba no escritório da Agência do “Correio da Manhã”.

“Niomar percebeu de cara que” o golpe de Estado representava “a aniquilação” de sua “geração, que era muito mais progressista”, diz o neto Mauro Muniz Sodré.

Ricardo Cota foto Facebook
Ricardo Cota: biógrafo de Niomar Moniz Sodré Bittencourt | Foto: Facebook

“Uma semana depois [do golpe de 1964], já exigia a devolução do poder aos civis e eleições em 1965. Quanto entrei em março de 1967, o jornal era mais antiditadura do que nunca”, relata Ruy Castro.

Niomar Bittencourt e Carlos Lacerda cometeram, por assim dizer, “suicídio” político ao apoiarem a ditadura dos generais. Havia lugar para apoiar, porém não para participar do comando do governo — o que Lacerda não soube entender.

Provando que não estavam brincando, o governo militar prendeu Niomar Bittencourt. Ela ficou três meses na cadeia.

Niomar Bittencourt acabou tendo de arrendar o jornal. Quando o retomou, não havia mais salvação. O “Correio da Manhã”, um grande jornal, deixou de circular em 1974.

Niomar Bittencourt foi a pessoa crucial para a criação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nelson Rockefeller lhe disse: “Não vejo ninguém no Brasil com as suas credenciais — amor à arte, conhecimento do meio, influência social e um jornal importante como o ‘Correio da Manhã’”.

Nascida em 1916, Niomar Bittencourt morreu em 2003, aos 87 anos.

A “Folha de S. Paulo” publicou uma excelente resenha (https://tinyurl.com/3eefkzyu), de autoria do jornalista Danilo Thomaz, no sábado, 13, do livro de Ricardo Cota.