A Cidade de Goiás se tornou a Cuba ou Shangri-La do Brasil, sugere Diário de Pernambuco
08 novembro 2025 às 21h00

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Em Buenos Aires — Editores e repórteres sabem: se o acesso cai, é hora de investir em “reportagens” — Paulo Francis diria “recortagens” — sobre turismo e animais fofos (gatos, cachorros, araras) e outros nem tão fofos (sucuris e tubarões gigantescos — todos com mais de seis metros). Se o Google, com seus algoritmos, estiver de “bom humor”, o acesso sobe e todos podem comemorar — inclusive os leitores, quem sabe.
Na quarta-feira, 5, o “Diário de Pernambuco” — um dos melhores e mais confiáveis do Nordeste — publicou uma reportagem com o título de “Lugar onde o tempo parou: cidade brasileira vive como se ainda fosse os anos 50”, assinada por Jeferson Carvalho, que se apresenta como “jornalista apaixonado pela profissão”.
Pela fotografia, no rodapé da matéria, percebe-se que Jeferson Carvalho é jovem e é possível que seja mesmo “apaixonado pela profissão”. Porém, para escrever a reportagem, o repórter esteve na Cidade de Goiás ou pesquisou em algum site de ficção, por assim dizer, científica? Não se sabe. Talvez seja um “bom” fantasista.
O mais provável é que Jeferson Carvalho apenas decidiu, com boa vontade, divulgar a cidade ao escrever uma reportagem tão simples quanto delicada e “fabular”. Entretanto, comete alguns equívocos.
De fato, o núcleo histórico da cidade está preservado (“seu centro histórico é tombado como Patrimônio Mundial pela Unesco”), com destaque para a casa da notável poeta Cora Coralina. Mas isto não significa que esteja parada no tempo. O município conta com empresas modernas — de pequeno e médio porte — e uma unidade da avançadíssima Universidade Federal de Goiás (UFG). Quer dizer, Goiás é uma cidade do conhecimento.
A Cidade de Goiás, portanto, não é a Cuba do Centro-Oeste brasileiro. Tanto que os automóveis que circulam pelas ruas não são da década de 1950. Pelo contrário, são novos, como os de quaisquer cidades de Pernambuco, como Olinda, Caruaru, Garanhuns e Recife.
Ainda assim, Jeferson Carvalho escreveu: “Escondida entre as curvas do interior do Estado de Goiás, há uma cidade que parece ter sido esquecida pelo tempo, no melhor sentido possível”. O texto é até poético, porém tão “falso” quanto o, digamos, Chicó do “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna.
“Goiás, que um dia foi capital do Estado e hoje é carinhosamente chamada de Goiás Velha, preserva um estilo de vida que remete diretamente aos anos 1950”, informa o “Diário de Pernambuco”, jornal que é um idoso de 200 anos.
A rigor, a ex-capital é conhecida como Cidade de Goiás. Há quem a chame de “Goiás Velho” — e não necessariamente de “Goiás Velha”. Nas minhas visitas à cidade, percebo que chamá-la de “Goiás Velho” é pejorativo. Então, não cabe o “carinhosamente”.
“Com suas ruas de pedra irregular, casas coloniais coloridas e uma rotina tranquila, o município oferece uma experiência rara: a de mergulhar em um Brasil que ainda valoriza a simplicidade, a tradição e o convívio comunitário”, diz Jeferson Carvalho. Há erro aí? Talvez não. Mas a cidade, a bem da verdade, não difere de outras cidades do interior, sobretudo se pequenas. Não é exceção. Em que difere de Olinda e de Caruaru? Nos nomes, talvez?
Há, claro, o problema de que o “Diário da Pernambuco” toma a “parte” pelo “todo”. Há a Goiás histórica, bem preservada, e há outra parte da cidade com casas que, ao contrário do que “informa” o jornal, não são de adobe, e sim de tijolo. As ruas são asfaltadas. No núcleo histórica, de fato, há pedras.
De acordo com o jornal, no centro histórico, há “construções de pau a pique”. Nunca vi. Talvez Jeferson Carvalho enxergue melhor que eu.
“Ao passear por suas ruas, não é incomum ver moradores sentados à porta de casa, oferecendo café e conversa a quem passa, um retrato fiel de uma época mais gentil e desacelerada.” Confesso que, embora seja um habitué da Cidade de Goiás, nunca me ofereceram café de graça. Sempre de que pagar meu cafezinho nas lanchonetes na Shangri-La do Cerrado. Da próxima vez me apresentarei de paletó e gravata… para parecer autoridade. Quem sabe assim receba uma xícara de café “de grátis”.
“O charme de Goiás Velha vai além da arquitetura. O som das notificações de celular quase não se ouve, e nem se faz falta”, conta o jornalista. Me parece que o “Diário de Pernambuco” anda fazendo jornalismo por telepatia. Pois, na última que vez em que visitei a Cidade de Goiás, ao tomar um lanche numa praça de alimentação e ponto de venda de produtos artesanais — há até uma pequena mas boa livraria (pode-se comprar livros de Homero à notável Maria José Silveira) —, o que mais vi foram pessoas, jovens e pessoas de meia idade, plugadas nos seus avançadíssimos celulares (iPhone, Samsung etc.). Até esfreguei os olhos para verificar se era “realidade”. Era. A Cidade de Goiás não é, portanto, uma ilha isoladíssima… do mundo.
“Goiás também conquista pelo paladar: empadão goiano, doces de tacho e picolés feitos com frutas do cerrado são apenas algumas das iguarias que reforçam a identidade local”, assinala o bicentenário “Diário da Pernambuco”. Há outra pequena “gralha”. Os picolés ditos do cerrado, salvo engano, foram desenvolvidos, pioneiramente, em Goiânia, a nova capital de Goiás, e não na Cidade de Goiás. Lá, neste aspecto, é, possivelmente, uma “sucursal” da atual capital.
A Prefeitura de Goiás deveria convidar Jeferson Carvalho para uma visita guiada. O repórter, que já é apaixonado por jornalismo, vai se apaixonar pela, de fato, encantadora cidade — um “carvalho”, de tão sólida e preservada, na história de Goiás.
