O primeiro-ministro britânico desafiou Hitler, quando quase toda a Europa estava dominada pelo nazismo, e se tornou o maior político do século 20

Winston Churchill, Franklin D. Roosevelt e Ióssif Stálin, como rivais e, às vezes, aliados: os três políticos moldaram o século 20

Não há a menor dúvida: Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro da Inglaterra nos momentos cruciais da Segunda Guerra Mundial, entre 1940 e 1945, é o maior político do século 20. Quem se aproxima do britânico? Franklin D. Roosevelt, dos Estados Unidos, e Charles de Gaulle, da França. E só. Leitor do li­vro “Minha Luta”, de Adolf Hi­tler, percebeu, bem antes do que ou­tros ingleses e demais políticos europeus, o perigo que representavam as ideias nazistas. Sua crítica, porém, não foi levada em consideração por ingleses e franceses, que se comportavam de maneira apaziguadora. Quando a Alemanha invadiu a Polônia, em setembro de 1939 — logo depois de ter assinado um pacto de não-agressão com a União Soviética de Ióssif Stálin —, os governantes Édouard Daladier, da França, e Neville Chamberlain, da Inglaterra, perceberam que estavam equivocados e declararam guerra ao nazismo. Hitler reagiu e invadiu a França. A Inglaterra ficou praticamente só, lutando bravamente para sobreviver e para manter a democracia na Europa. Ao se tornar primeiro-ministro, em 1940, Churchill mudou a política maneirista e adotou uma política agressiva. Só em 1941, conseguiu aliados substanciais na sua luta contra Hitler. Devido a Pearl Harbor — mais de 2400 americanos foram mortos no ataque japonês — e à declaração de guerra da Alemanha, os Estados Unidos foram compelidos a mandar militares e mais recursos para os Aliados. A União Soviética, atacada pela Alemanha, também se tornou aliada.

Filho de inglês, Randolph Churchill, com americana, Jenny, Churchill morreu em 1965, aos 90 anos. Foi membro do Parlamento durante 55 anos, passou nove anos como primeiro-ministro e trinta e um ano como ministro. Era político, pintava e escrevia muito bem (ganhou o Prêmio Nobel de Literatura). Churchill escreveu livros sobre a guerra e A Língua Inglesa e era um orador flamante. Ele criou a expressão Cortina de Ferro para nominar os países comunistas, mantidos sob forte controle da União Soviética de e pós-Stálin.

“O Destino de uma Nação” é o filme no qual Gary Oldman representa Churchill. Não é nada fácil, pois Churchill, um grego antigo nascido na Inglaterra, era um homem de várias facetas. Pode facilmente ser caricaturizado — dadas suas maneiras histriônicas e frases de efeito quase ao estilo de Karl Kraus e Nelson Rodrigues — ou se tornar uma figura solene, pomposa. A crítica especializada afirma que Gary Oldman faz um Churchill perfeito, e talvez seja verdadeiro, porque se trata de um grande ator, ao estilo de Laurence Olivier. Como o cinema tende a simplificar — um estadista da dimensão de Churchill é grande demais para um filme de duas ou ate quatro horas —, o Jornal Opção sugere alguns livros fundamentais que podem ajudar, de maneira variegada, a compreender o indivíduo que “puxou” a história para a democracia, esmagando a tirania. Se quiser consultar obras gerais sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o leitor deve procurar as pesquisas de Richard Evans (“Terceiro Reich”, três volumes), Antony Beevor (“A Segunda Guerra Mundial”), Ian Kershaw (“De Volta do Inferno: Europa — 1914-1949”), Richard Overy (“1939 — Contagem Regressiva Para a Guerra”), Andrew Roberts (autor do excelente “A Tempestade da Guerra”) e Max Hastings (“Inferno: O Mundo em Guerra — 1939-1945”). O filósofo anglo-letão Isaiah Berlin escreveu ensaios magníficos sobre Churchill e Roosevelt — estão no livro “Ensaios Sobre a Humanidade”.

Veja abaixo:

Churchill — Roy Jenkins

Os dirigentes das editoras brasileiras “amam” ditadores — tanto que Ióssif Stálin, Mao Tsé-tung e Fidel Castro são contemplados frequentemente com biografias e estudos. Os democratas não têm a mesma sorte. Franklin D. Roosevelt não tem uma biografia decente em português (a de sir Roy Jenkins é lacunar e diminuta, pois morreu quando a escrevia). Felizmente, no caso de Winston Churchill, os leitores patropi têm sorte: suas melhores biografias estão nas livrarias. “Churchill”, de Roy Jenkins, é o que há de melhor. O homem multifacetado, político e intelectual, aparece em toda a sua grandeza — e, detalhe, não se trata de uma hagiografia. O político que acreditou que poderia derrotar Hitler, quando nem mesmo a Inglaterra e seus aliados acreditavam, tinha uma energia impressionante — e Jenkins capta isso com extrema mestria. Ao perceber que, repetindo o Napoleão de 1812, Hitler iniciara, em 1941, uma guerra entre duas frentes, contra a Inglaterra e a União Soviética, o britânico soube que havia se dado a oportunidade histórica de derrotá-lo. O que se precisava era de um empurrãozinho — que veio dos Estados Unidos, quando os japoneses, desconectados dos aliados da Alemanha nazista, atacaram Pearl Harbor. O que Roy Jenkins mostra, com rara felicidade, é que Churchill tinha uma percepção aguda da história, da história que estava vivendo e, digamos, “manipulando”. Ao término da guerra, com a Inglaterra vitoriosa, Churchill não conseguiu se manter no poder. O trabalhista Clement Attlee ganhou porque seu adversário era visto como o político talhado para o “tempo da destruição”, não para o “tempo da construção”. Um pesquisador frisa que Churchill é o pai do Estado do Bem-Estar Social, mas quem o aprofundou, para o agrado dos ingleses, que estavam cansados (e empobrecidos em decorrência) da batalha e clamavam pela proteção do Estado, foram os trabalhistas. “Churchill” não é “uma”, é, sim, “a” biografia. É uma bíblia sobre o homem cuja coragem sem concessões derrotou Hitler e estabilizou e, em alguns casos, consolidou (e até possibilitou) a democracia na Europa e noutras plagas. A ditadura brasileira, de Getúlio Vargas, caiu, em 1945, em larga medida devido à vitória dos Aliados. (Nova Fronteira, 897 páginas, tradução de Heitor Aquino Ferreira).

Winston Churchill — Uma Vida — Martin Gilbert

Martin Gilbert é, sem dúvida, o maior pesquisador da vida de Churchill. Quase todas as biografias derivam de sua obra. Não só. Ele escreveu exaustivamente, e de maneira competente, sobre a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Eu indicaria como primeira obra a se ler o livro de Roy Jenkins, mas não há como desconsiderar o detalhamento da pesquisa de Gilbert. No Brasil, saíram dois volumes (não sei se sairão outros), mas, em inglês, a obra é bem mais volumosa. O livro de Jenkins é uma bíblia sobre o primeiro-ministro britânico, mas a bíblia verdadeira é a obra de Gilbert. Como o autor é historiador, dos mais conscienciosos, o contexto no qual atuou Churchill é muito bem delineado. Fica-se com a impressão de que a biografia diz tudo sobre o personagem biografado. Não diz, é claro, porque o homem que derrotou Hitler é um “objeto” de pesquisa inesgotável. Cada biógrafo inventa ou reinventa um Churchill? Não é bem assim. Na verdade, é a personalidade multifacetada do político, escritor e historiador — e muito mais coisas — que permite interpretações variadas e, até, contraditórias. (Leya, 1024 páginas, os dois volumes).

Churchill Vai à Guerra — Bryan Lavery

O livro parece não ter obtido sucesso no Brasil. Mas é empolgante. Ele trata das viagens de Churchill para encontrar Franklin Roosevelt no auge da Segunda Guerra Mundial. As circunstâncias eram de “grande desconforto e perigo”. Lavery anota que “nenhuma vida tinha tanto valor quanto a sua, pois ele representava a vontade de seu país de resistir aos nazistas. A viagem aérea de longa distância acabara de se tornar praticável, mas havia riscos na decolagem, na aterrissagem, em voos demasiado altos e também na possibilidade de uma aeronave ser abatida por um tiro inimigo. A viagem marítima também implicava perigos, pois submarinos alemães infestavam o Atlântico, e bombardeiros atacavam navios mercantes no Mediterrâneo”. As viagens mais perigosas eram na conflagrada Europa. O primeiro-ministro apreciava a excitação e o perigo. “Viajar” era “uma paixão, talvez um vício”. Churchill “estava convencido de que o contato pessoal era o melhor modo de conseguir que as coisas fossem feitas”. O historiador informa que o inglês “apreciava tecnologia”. “Ele representou um papel essencial na invenção do tanque, na Segunda Guerra Mundial. Gostava de ser fotografado ao lado das mais recentes máquinas de guerra.” As viagens representavam o poder e, ao mesmo tempo, a fraqueza do líder inglês. “O poder em declínio na Europa refletia-se no fato de ser ele quem sempre viajava e, em geral, pedia favores ou declarava sua posição — constantemente precisou persuadir Roosevelt e seus conselheiros a enviar mais recursos à Europa e a desculpar-se com Stálin pelos atrasos no lançamento da segunda frente de batalha na Europa setentrional.” Não conseguiu marcar nenhuma conferência dos “grandes” (Roosevelt e Stálin) em Londres. (Lafonte, 431 páginas, tradução Clara A. Colotto).

Churchill — Paul Johnson

A biografia de Paul Johnson é pequena, mas explica bem a razão do sucesso político de Churchill. Ele oferece cinco lições para o primeiro-ministro britânico. “A primeira lição é pensar grande. [Churchill] Envolveu-se em cinco guerras em rápida sucessão e se tornou profundo conhecedor de feitos e tradições militares. Buscou o poder e o conseguiu em escala crescente. Jamais implorou ou se aviltou para assumir cargos e os conseguiu em seus próprios termos. Em 1940, pensou não apenas grande, mas no objetivo maior, resgatar uma nação em perigo e evitar que ficasse desmoralizada. Sempre realizou algo que valesse a pena. (…) lição número dois é: nada substitui o trabalho árduo. Nunca se furtou ao trabalho pesado, tomando decisões importantes e arriscadas ao longo de um dia de 16 horas. (…) A lição número três é que Churchill nunca permitiu que erros, desastres—pessoais ou nacionais — acidentes, doenças, impopularidades ou críticas o abatessem. Seu poder de recuperação, tanto de doenças físicas quanto em reação psicológica a falhas desagradáveis, era impressionante. Tinha coragem, a mais importante das virtudes, e sua acompanhante, a fortidão. Esses poderes são inatos, mas também podem ser cultivados, e Churchill os talhou a vida inteira. Toda sua carreira foi uma demonstração de como a coragem pode ser aquinhoada, reforçada, preservada, utilizada, intensificada, concentrada, e transmitida a outros. A lição número quatro é que Churchill gastava fração extraordinária pequena de tempo e energia emocional com facetas mesquinhas da vida: recriminar, culpar outros, agir com maldade, buscar revanche, realizar manobras sujas, disseminar boatos, alimentar rancor, empreender vendettas. Depois de trabalhar arduamente, lavava as mãos e partia para o problema seguinte. Esta é uma das razões de seu sucesso. Nada é mais desgastante que o ódio. A maldade perturba o julgamento. Churchill gostava de perdoar e conciliar. Nada lhe dava mais prazer do que substituir inimizade por amizade. (…) Quinta lição: a ausência de ódio deixava amplo espaço para a alegria na vida de Churchill. Sua face luzia de forma extraordinariamente cativante à medida que se comprazia diante de uma acontecimento inesperado e bem-vindo. A alegria, visitante habitual na alma de Churchill” bania “o enfado, o desespero, a mágoa e a dor. Gostava de tomar parte e de dar alegria. (…) Nenhum grande líder jamais riu tanto de piadas quanto Churchill. Adorava contá-las e, ao longo da vida, conseguiu inventar grande número delas. (…) Gostava de cantar. Era querido pelo povo.” (Nova Fronteira, 159 páginas, tradução de Gleuber Vieira).

O Fator Churchill — Boris Johnson

O subtítulo é: “Como um Homem Fez História”. Pode uma quase-hagiografia ter qualidades? A prova é o livro do jornalista e político Boris Johnson. O livro é tão bom e bem formulado que seu caráter hagiográfico, facilmente perceptível, é perdoável. A grandeza de Churchill é mesmo real. “Hoje em dia, mal e mal acreditamos que a Segunda Guerra Mundial foi vencida com sangue russo e dinheiro norte-americano; e, embora de certa maneira isso seja verdade, também é verdade que, sem Churchill, é quase certo que Hitler teria vencido. (…) Churchill é importante hoje porque salvou nossa civilização. E o ponto importante é que somente ele poderia ter feito isso. (…) O ponto fundamental do Fator Churchill é que um único homem é capaz de fazer toda a diferença. (…) Ele foi decisivo para o início do Estado do bem-estar social nas primeiras décadas do século 20. Ajudou a dar aos trabalhadores britânicos Centros de Empregos, o intervalo para o chá e o seguro-desemprego. Criou a RAF (Real Força Aérea britânica) e o tanque de guerra, e foi absolutamente crucial à ação — e a derradeira vitória da Inglaterra — na Primeira Guerra Mundial. Foi indispensável na criação de Israel (e outros países), sem mencionar sua campanha por uma Europa unida. (…) Ele possuía um ego titânico, mas que era temperado com humor, ironia e uma profunda humanidade, compreensão e compaixão por outras pessoas e pelo comprometimento com o serviço público, bem como uma crença no direito democrático do povo de tirá-lo do poder por meio de eleições.” Uma das coisas interessantes do livro de Boris Johnson é a “recuperação” do papel do indivíduo, de um político decidido e preparado, na mudança da história. (Planeta, 461 páginas, tradução de Renato Marques).

Hitler & Churchill — Andrew Roberts

O subtítulo do livro é “Segredos da Liderança”. Andrew Roberts, pesquisador extraordinário, começa com uma pergunta: “Como podem 100 pessoas ser guiadas por uma única? (…) A capacidade que uma pessoa tem de fazer outras 100 cumprirem suas ordens é o alicerce sobre o qual todo o esforço humano coletivo se funda, para o bem ou para o mal. O historiador anota que, entre junho de 1940 (a retirada de Dunquerque) e junho de 1941 (invasão da União Soviética), “Churchill teve de fato de recorrer regularmente à impostura. A despeito de toda a sua esplêndida oratória durante esse período, ele não sabia de fato como seria possível derrotar a Alemanha. O embuste é por vezes um elemento crucial da liderança”. A certeza de que iria derrotar o nazismo “se propagou entre o povo britânico”. Por que os Aliados venceram a Alemanha, se até 1943 estavam perdendo a batalha? “A vasta superioridade em números [soldados] e material” foi decisiva. Mas pesaram muito os acertos de Churchill [um líder inspirador], começando por sua determinação, e os erros de Hitler [um líder carismático] e de seus aliados. Andrew Roberts sustenta que Churchill “acertou em quase todos os aspectos, e essa presciência temistocleana é a essência da liderança”. A historiadora Barbara Tuchman escreve que, a partir de determinado momento, os líderes deixam de ouvir, acreditando que são espécies de messias, de salvadores e guias que só acertam. Hitler era assim. Churchill, embora fosse um falastrão, não o era. “Líderes bem-sucedidos cercam-se de dissidentes construtivos: Churchill tinha Alanbrooke, Stálin tinha o marechal Antonov, Roosevelt tinha o general George Marshall. Hitler não acatava um aconselhamento objetivo desse tipo de ‘homem algum’”. O fato de Churchill viajar e Hitler quase não viajar permitiu que o primeiro tivesse uma visão de mundo, das sociedades, mais ampla e perceptiva. Conhecer outros países, seus desenvolvimentos, possibilitou a Churchill ter “uma perspectiva estratégica global”. Hitler era mais limitado. Andrew Roberts afirma que Churchill tem sido criticado tanto por pesquisadores de esquerda (Clive Ponting) quanto de direita (David Irving). “Se Churchill é tão violentamente repelido por ambos os extremos do espectro ideológico, podemos realmente supor que ele não pode ter sido assim tão mau.” (Jorge Zahar Editor, 209 páginas, tradução de Maria Luíza X. de A. Borges).

Churchill — François Bédarida

O historiador francês escreve uma biografia “crítica”, o que não é sinônimo de “contra”. Na sua interpretação, há um Churchill lendário e um Churchill histórico, e não é fácil dissociá-los. “Em 1940, nos momentos de um perigo extremo, criara-se entre um homem e um povo um laço impossível de desfazer, uma união indestrutível”, constata. “Paradoxo e ironia da história: foi em grande medida a natureza arcaica do personagem — oriundo da aristocracia, apaixonado pelas grandezas imperiais, saudosista de uma sociedade hierarquizada mas, ainda assim, consciente das necessidades democráticas — que lhe permitiu ser o homem das situações excepcionais, capaz de enfrentar o presente apelando às virtudes tradicionais. Em suma, foi essa natureza que lhe permitiu pôr o passado” a “serviço dos imperativos do presente”. François Bédarida admite que Churchill — “50% americano, mas 100% inglês” — é a “figura maior do século 20”. O pesquisador frisa que o primeiro-ministro “permaneceu um vitoriano imerso na modernidade do século 20”. O autor cita Isaiah Berlin: “Churchill tem o espírito centrado sobre o seu próprio mundo cintilante, e podemos perguntar-nos se ele alguma vez teve consciência daquilo que se passa na cabeça e no coração dos outros. Ele não reage, age. Não reflete, molda os outros e transforma-os ao seu gosto e à sua medida”. No final do livro, depois de suas ponderações, o estudioso anota que “Churchill foi de fato em 1940 o homem do destino, figura de exceção elevando-se à altura de um momento de exceção na história. (…) Ele soube conduzir o Reino Unido à vitória graças à brilhante gestão da Grande Aliança, forjada pelo seu esforço”. Houve, “uma identificação rara do homem com o acontecimento. (…) Churchill tem o privilégio de guardar para si — e de guardar para sempre — a glória imperecível de 1940”. (Babel, 492 páginas).

Um Natal em Washington — David Bercuson e Holger Hervig

O subtítulo é “O Encontro Secreto de Roosevelt e Churchill Que Mudou o Mundo”. Pearl Harbor antecipou a entrada dos Estados Unidos na guerra. Logo depois, em dezembro de 1941, enfrentando “mares revoltos e ventanias violentas”, Churchill cruzou o Atlântico para se encontrar com o presidente Franklin Roosevelt, em Washington, com o objetivo de forjar a Grande Aliança. A Conferência de Guerra de Washington, codinome Arcádia, se deu entre dezembro de 1941 e janeiro de 1942. O imperial Churchill era, agora, “o suplicante na relação com Roosevelt, que tinha aguda consciência do poder e do potencial dos EUA. (…) O primeiro-ministro ‘quisera mostrar ao presidente como gerenciar a guerra. Não foi bem assim que a coisa funcionou’ [disse o médico pessoal de Churchill]. Em vez disso, [o general] George Marshall, ‘com seu jeito calado e não provocador’, tinha assumido a direção das reuniões. ‘Marshall continua a ser a chave da situação’. Nem Churchill nem Roosevelt ‘podem cogitar de progresso sem Marshall’”. O presidente americano assumiu o controle das coisas já em 1941. “Os americanos assumiram quase de imediato o controle da conferência e os britânicos foram forçados a ceder o passo em quase todas as questões.” Churchill submeteu-se. “Ele curvou-se à realidade e, ainda que contrafeito, aceitou seu novo papel como segundo no comando. Arcádia foi o momento de transição entre o declínio da influência global do Império Britânico e a crescente potência mundial dos EUA. Em Arcádia, os EUA empurraram a Grã-Bretanha de lado, para assumir a liderança geral das potências ocidentais Aliadas na guerra contra o Eixo.” Os autores do livro contrariam, em parte, a churchillmania: “O brilho, a oratória, a sedução, a persuasão e as conquistas literárias e políticas de Churchill foram suplantadas, no final, pela mera força do poderio americano”. O mais importante é que a aliança entre dois homens imensamente talentosos para a política, Churchill e Roosevelt (e claro que Stálin também foi crucial), foi decisiva para derrotar o totalitarismo nazista. (Ediouro, 331 páginas, tradução de Alice Xavier de Lima).

Winston Churchill — John Keegan

Em inglês, o título é unicamente “Winston Churchill”. A edição portuguesa exibe um título maior: “Uma Introdução à Vida de Churchill”. Pense no Super-Homem e no Batman. São homens fortes, atléticos e super-heróis. Agora pense na pança de Churchill. Ele “parecia tudo menos heroico”, afirma John Keegan. Mas, apesar de sua barriga imensa e da cara de buldogue, era heroico. Por que o homem que desafiou Hitler e a poderosa Alemanha, impondo-lhe uma derrota devastadora, ao armar a aliança com Franklin Roosevelt e Stálin, perdeu o poder ao término da Segunda Guerra Mundial, em 1945? Os ingleses, notadamente os jovens, compraram as propostas dos trabalhistas: “Um serviço de saúde gratuito para todos parecia uma excelente ideia, tal como bolsas de estudo para os alunos mais inteligentes e empenhados, melhores pensões para os velhos e pobres, casas decentes para os sem-abrigo e empregos estáveis para as vítimas da crise que antecedera a guerra. O Partido Trabalhista dizia que queria uma Grã-Bretanha melhor, e os jovens acreditavam”. O livro de Keegan tem detalhes interessantes: Churchill pronunciava “alemães” conjugando “ameaça e desprezo” e “Hitler” de uma maneira “cuspida e glotal”. Churchill era um homem de coragem e conseguia transmiti-la aos que comandava. Ao oferecer “sangue, luta, lágrimas e suor”, que pode parecer uma bravata populista, as pessoas acreditavam nas suas palavras, que se tornavam uma espécie de poder. Não era um homem religioso. “O rei e a nação eram a única religião que Winston conhecia”, escreveu lorde Moran, seu médio. Keegan, que deu aulas em Princeton e no Vassar College, não é nada fofoqueiro, mas não descuida da vida íntima de seu personagem. “Churchill tinha uma libido fraca”. Casou-se aos 34 com Clementine Hozier. “Churchill era uma raridade moral: um homem que conhecia o mundo sem ser mundano. Talvez tenha sido a sua indiferença para com os apetites da carne que o tornaram suscetível aos encantos das palavras e aos fascínio da história concebida como romance.” A prosa de Edward Gibbon, autor de “Declínio e Queda do Império Romano”, influenciou o seu estilo. Robert Rhodes James escreveu: “Churchill escrevia os seus discursos e dizia os seus livros”. Keegan explica que “os seus livros eram ditados, o que lhes conferia as qualidades da sua magnífica oratória. Prosa de qualidade afeta não só o leitor ou o ouvinte, mas também o seu próprio autor. O poder da prosa de Churchill resiste à passagem do tempo”. Sua vida foi uma epopeia, conclui Keegan. (Tinta da China, 207 páginas, tradução de Jorge Palinhos).

Churchill, Hitler e a “Guerra Desnecessária” — Patrick J. Buchanan

O subtítulo é: “A Inglaterra Perdeu Seu Império, o Ocidente Perdeu o Mundo”. Patrick J. Buchanan, autor de um livro polêmico e que destoa da maioria dos intérpretes de Churchill, é um dos revisionistas criticados pelo historiador britânico Andrew Roberts. “Quando o século 20 se iniciou, o Ocidente detinha a supremacia em todos os lugares”, sugere o crítico. “No último século, em algum lugar, o homem ocidental sofreu uma perda catastrófica da fé — em si mesmo, em sua civilização, e na própria fé que a originou. (…) A cristandade está morrendo no Ocidente, sendo substituída pelo secularismo militante.” A causa principal? Possivelmente as duas guerras mundiais, que o autor nomina de a Grande Guerra Civil do Ocidente. “Essas duas guerras não só eliminaram milhões dos melhores e mais corajosos ocidentais, como criaram os fanatismos ideológicos do leninismo, do stalinismo, do nazismo e do fascismo, cujos massacres dos povos dominados por eles somaram mais vítimas do que todos os campos de batalha, durante dez anos de combate.” Em seguida, Buchanan pergunta: “Essas duas guerras mundiais, ferimentos mortais que infligimos a nós mesmos, foram necessárias? Ou foram uma questão de escolha? Se foi possível escolher, quem nos lançou nessas guerras mundiais hediondas e suicidas, que aceleraram a morte de nossa civilização? Quem foram os estadistas responsáveis pela extinção do Ocidente?” O título do livro “explica”. Andrew Roberts, um dos mais categorizados pesquisadores da Segunda Guerra Mundial, duvida da argumentação de Buchanan e sugere que alguns críticos de Churchill deveriam consultar a documentação com mais cuidado ou ao menos consultá-la. Há opiniões — na verdade, contrafações — sendo apresentadas como fatos. (Nova Fronteira, 423 páginas, tradução de Vania Cury).

Churchill e o Discurso Que Mudou a História — John Lukacs

O historiador John Lukacs escreveu alguns dos melhores livros sobre o primeiro-ministro britânico, como “Churchill — Visionário, Estadista, Historiador” (Jorge Zahar Editor, 177 páginas, tradução de Claudia Martinelli Gama) e “Cinco Dias em Londres — Negociações Que Mudaram o Rumo da II Guerra” (Jorge Zahar Editor, 217 páginas, tradução de Teresa Resende Costa). O pesquisador sublinha que, entre 24 e 28 de maio de 1940, “Adolf Hitler esteve muito perto de vencer a Segunda Guerra Mundial—a sua guerra. Um homem que sabia o quanto Hitler estivera perto de alcançar sua suprema vitória foi Winston Churchill.” Em 1942, “a Inglaterra não” tinha “condições de vencer a guerra. No final, os Estados Unidos e a Rússia iriam ter. Mas em maio de 1940, Churchill era o único homem que não estava disposto a perdê-la. Naquele momento, em Londres, ele salvou a Grã-Bretanha, a Europa e a civilização ocidental. (…) Ele declarou que a Inglaterra, não importa o que acontecesse, prosseguiria lutando. Não importa o que acontecesse: não haveria negociação com Hitler”. Recomendo os dois livros, mas também a análise do discurso no qual Churchill, numa síntese extraordinária, disse: “Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor”. Não parecia uma coisa positiva, teoricamente, mas era, para os ingleses, estupendo. Nada de populismo. O realismo absoluto continha, porém, esperança. Não era um lamento — era um caminho, duro e único, para a democracia europeia, e não apenas a inglesa, não sucumbir. (Zahar, 119 páginas, tradução de Maria Luiza X. de A. Borges).

A Sutileza Bem-Humorada — Winston Churchill

As frases de efeito de Winston Churchill são divertidas e inteligentes, não têm caráter bacharelesco. O seu não-politicamente correto guarda certo parentesco com as diatribes do austríaco Karl Kraus e dos brasileiros Nelson Rodrigues e, aqui e ali, Carlos Lacerda (cuja agressividade excessiva às vezes excluía o bom humor). A parlamentar Bessie Braddock disse: “Winston, você está bêbado; mais ainda, repugnantemente bêbado”. Churchill: “Bessie, minha cara, você é feia; mais ainda, é repugnantemente feia. Mas amanhã estarei sóbrio e você ainda será repugnantemente feia”. Bernard Shaw: “Reservei duas entradas para você na estreia. Venha e traga um amigo — se tiver algum”. Churchill: “Impossível comparecer à primeira apresentação. Irei na segunda — se houver” (a peça “Santa Joana” fez sucesso). Sobre bebida: “Não posso viver sem champanhe. Na vitória, a mereço. Na derrota, preciso dela”. General Montgomery: “Não bebo, não fumo e estou 100% em forma”. Churchill: “Eu bebo, eu fumo e estou 200% em forma”. Mais tarde acrescentou: “Faço meus exercícios pegando as alças dos caixões de muitos amigos meus que se exercitaram durante a vida” (Churchill morreu aos 90 anos). Churchill, vendo Clement Attlee entrar no banheiro da Câmara dos Comuns, afastou-se para um mictório mais longe. Attlee: “Um tanto distantes hoje, não estamos, Winston?” Churchill: “Vocês socialistas, quando veem uma coisa grande, querem logo estatizá-la”. Nancy Astor: “Se eu fosse sua esposa, colocaria veneno no seu café”. Churchill: “Se eu fosse seu marido, eu o beberia”. (Odisseia Editorial, 293 páginas, tradução de Joubert de Oliveira Brízida) Há também o livro “A Verve e o Veneno de Winston Churchill”, suas melhores frases organizadas por Mark Edmundson.