O papel da China na guerra tarifária entre EUA e Brasil

12 julho 2025 às 14h23

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Nos últimos dias, os noticiários de TV têm sido tomados pela questão da guerra tarifária entre Brasil e Estados Unidos. Mas ao contrário da maioria das opiniões veiculadas pelos meios de comunicação, existem razões profundas para esse recente contencioso, e elas vão muito além de um mero sentimento de admiração de Trump por Bolsonaro.
Mas qual seria o real motivo dessa briga? Para responder a essa questão, precisamos voltar a 1944 quando foram assinados os Acordos de Bretton Woods. São eles que inauguram a era do dólar como moeda do comércio internacional. Naquela fase inicial, ele ainda estava atrelado ao ouro. Além disso, Bretton Woods também fundou o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Posteriormente, em 1971, movido pelos gastos com a Guerra do Vietnã e os programas sociais herdados da administração Lyndon Johnson, o presidente americano Richard Nixon acabou com a convertibilidade do dólar em ouro. Isso inaugurou para o sistema que temos hoje, que é de câmbio flutuante e depende da confiança do mercado global no governo dos Estados Unidos.
Com a economia mundial atrelada ao dólar, o poder de barganha dos EUA foi alçado à enésima potência. Mas, na realidade, a pressão financeira através do dólar é um instrumento da paz, na medida em que intervenções militares e até mesmo guerras, no estilo tradicional, podem ser evitadas através dela.
É nesse contexto que emergiram, no final dos anos 1990 e início do século XXI, países do Sul Global — Brasil, China, Índia, África do Sul, e ainda a Rússia — formando o que viria a ser o BRICS. A ascensão deles representou uma ameaça, ainda que gradual, ao domínio americano. Porém, há um detalhe importante: alguns desses países — especialmente China, Rússia e Índia — têm práticas políticas e de direitos humanos amplamente contestadas. Aliás, os EUA chegaram a chamar a Rússia, China e Irã de “eixo do mal”, numa reedição moderna que ecoa a retórica de figuras como Marco Rubio.
Não surpreende que a recente tensão entre Brasil e Estados Unidos tenha ocorrido justamente na semana da Cúpula dos BRICS, agravada mais ainda pela presença do Irã, já como membro pleno, poucas semanas após um conflito armado com Israel, o principal parceiro da América no Oriente Médio. Em outras palavras, o “Eixo do Mal” estava no Brasil.
Isso ganhou força com ações práticas, não apenas com discursos. Enquanto delegações diplomáticas circulavam pelo Rio, a China avançava discretamente dentro do sistema financeiro brasileiro. Um exemplo marcante foi a compra do histórico Banco da Bahia — fundado em 1858 — pela gigante chinesa Bank of Communications. Convertido no Bocom BBM, ele se tornou o primeiro banco da América do Sul a se integrar ao CIPS (China Interbank Payment System), sistema alternativo ao SWIFT para transações em renminbi — forma de evitar o dólar CNN Brasil.
Como se isso não bastasse, a filial brasileira do ICBC, maior banco do mundo em ativos, foi escolhida como clearing house do renminbi no Brasil. Em outras palavras: o país passou a ter capacidade interna para liquidar transações diretamente em moeda chinesa. Especialistas como Alexandre Coelho (ex‑Banco da China) descrevem esse modelo como um Renminbi Offshore Center, idêntico aos de Londres, Frankfurt ou Cingapura.
Tudo isso acontece num cenário em que a China já é o principal parceiro comercial do Brasil, absorvendo 27% das exportações em 2022 — mais que o dobro dos EUA (11%). O discurso oficial fala em “racionalizar operações”, “diversificar meios de pagamento” — e isso faz sentido. Mas, na prática, participamos de uma estratégia de desdolarização global, em sintonia com Moscou e Teerã — ambos sob sanções americanas, e agora aliados no projeto de criar alternativas reais ao poder do dólar.
Assim, essa história não é apenas técnica ou econômica. É política e estratégica. Ao permitir que bancos chineses atuem como compensadores de suas próprias moedas em território nacional — sem a “mediação” de Washington — o Brasil pode estar trocando uma dependência por outra: a do dólar pela da lógica financeira financiada e controlada por Pequim.
Essa transição não parece alarmista quando consideramos o universo acima: decisões silenciosas, mas estruturais, estão sendo tomadas. E é sobre isso que precisamos refletir.