Sem jornalismo não há democracia: objetividade, ética e interpretação para iluminar a escuridão

28 setembro 2025 às 14h27

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Esta é a data mais importante para a Comunicação no mundo: 28 de setembro, Dia Mundial do Jornalismo e o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação. (O dia 7 de abril é celebrado apenas no Brasil.) Com o jornalismo atravessando a maior crise de sua história, comemorar soa cínico e lamentar soa despropositado. Vale a pena, entretanto, aproveitar o ensejo para entender o estado das coisas e restaurar a fé no jornalismo de qualidade.
O jornalismo está ligado ao nascimento da democracia contemporânea — do fim do século 19 até a era digital, se consolidou como a principal forma de informar sobre o destino de impostos, decisões e bastidores do poder. A ideia permanece arraigada. Nas palavras do espanhol Fernando Belzunce: “Sem jornalismo, não há democracia. E, sem democracia, há apenas escuridão”.
Porém, a atividade sempre foi profundamente desprezada e considerada incômoda pelo poder. O húngaro Viktor Orban controla a mídia para escapar do escrutínio e manter o público no escuro. Trump baniu o Wall Street Journal da Casa Branca. Nos governos Lula e Dilma, apoiadores do PT classificavam jornais que denunciavam o governo como “Partido da Imprensa Golpista”. Bolsonaro passou 4 anos atacando jornalistas da Folha, apelidou a Globo de “lixo”, insultou repórteres como Vera Magalhães e Patrícia Campos Mello. Sem exceção, no Brasil, todos os presidentes buscaram esmagar ou aparelhar as empresas públicas de comunicação.
Não é surpresa, portanto, que com a multiplicação de fontes de informação na internet, políticos tenham se sentido gratos por poder abandonar a dependência dos jornais para ficar em evidência. Porém, apesar da forma emular a forma jornalística, o leitor não deve se enganar: publicações nas redes não são jornalismo. A pobreza da comunicação atual tem a ver com o abandono de valores fundamentais como o espaço para o contraditório, para o interesse público, a tentativa de alcançar a imparcialidade e a objetividade.
A “era da pós-verdade”, em que diversas narrativas conflitantes coexistem sobre a realidade, tem a ver com a facilidade de difundir desinformação online. Há espaço para debater se a solução é o “controle social da mídia” ou “regulação das redes digitais” — a ideia, vinda do governo, parece muito um novo ataque, nova tentativa de censura, de esmagar ou aparelhar as versões autorizadas sobre os fatos. Não há controvérsia sobre o diagnóstico do problema, entretanto; ele está aí.
Para piorar, nos últimos anos, o jornaleiro se rebelou contra os jornais. O Google, maior distribuidor de informação no mundo, se tornou um competidor. A big tech ativamente reduz o alcance de determinadas notícias, usa inteligência artificial para tirar os fatos (às vezes com plágio) das matérias e oferecê-los a quem faz uma busca, decide um padrão que sites devem seguir para surgir ranqueados nas primeiras páginas.
A solução para crise não existe, ainda, mas certamente passa por um resgate dos valores fundamentais do jornalismo. Afinal, o leitor sente. O leitor sentiu e manifestou ressentemento contra o jornalismo. Parte da campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro em 2018 foi baseada em seu discurso anti-imprensa, por exemplo. Em parte, foi um voto de protesto contra jornais instrumentalizados pelo poder político e econômico. Agora, o leitor sente-se simultaneamente afogado por informações vazias e sedento por sentido neste caótico mundo novo.
Na prática, o jornalismo já começou a satisfazer essa demanda quando ganhou novas funções, como a checagem da veracidade de notícias; a análise e visualização de grandes quantidades de dados; o traduzir e apontar tendências das inovações. A atividade, que começou no século 17 e está sob ataque desde então, não vai acabar tão cedo.
Porém, também na prática, vemos que nem todos os veículos e repórteres têm clareza da nova natureza de seus trabalhos: é impossível concorrer com 2,96 bilhões de usuários de Instagram, que publicam informações diariamente. O jornalismo do futuro provavelmente não está tanto no ineditismo, no furo, na publicação avulsa dos fatos; mas está na capacidade de interpretar o caos, de atribuir sentido, de contar uma história com sentido e com a veracidade dos fatos.
Mais do que novas funções, a solução deve passar por um resgate de velhos valores esquecidos. A busca pela objetividade e pluralidade, o tratamento ético da informação, das fontes e dos leitores — essas são habilidades que só podem ser exercidas pelo jornalismo profissional. Pelo bem da democracia, é necessário acreditar que ainda há demanda para o trabalho de iluminar. Para citar outro celebre jornalista, Óscar Martínez, de El Salvador, ao receber o Prêmio Liberdade de Expressão concedido pela DW: “Quanto mais escuridão, maior é a necessidade de jornalismo”.