Nas terras elevadas de Alto Paraíso, a mais de 10 quilômetros do centro urbano, encontra-se um povo que resiste entre serras, vales e memórias. Ali, nas proximidades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o Povoado Quilombola do Moinho mantém raízes tão profundas quanto as árvores que sustentam o cerrado — raízes que, para muitos, parecem tocar o céu.

A comunidade do Moinho, como é conhecida, surgiu há mais de 250 anos e hoje reúne cerca de 500 habitantes. Aninhados em um vale que conecta duas serras e banhados pelo Rio São Bartolomeu, seus antepassados encontraram ali refúgio, autonomia e prosperidade. Hoje, no entanto, essa mesma região enfrenta ameaças reais vindas do avanço do agronegócio e da mineração extrativista, que se aproximam da Chapada como fronteiras vorazes.

A história dos moradores do Moinho está entrelaçada à dos demais povoados do Grande Quilombo Kalunga, símbolo de resistência ao escravagismo que marcou quase 400 anos da história brasileira, atravessando aproximadamente 25 gerações até a abolição de 1888. É essa memória coletiva, construída sobre fuga, luta e reconstrução, que guia os descendentes kalungas na defesa de seus territórios e modos de vida.

Em pleno 2025, no entanto, essa luta se torna ainda mais urgente. A recente derrubada dos vetos da chamada PL da Devastação e a criação do Programa de Licenciamento Ambiental Especial (LAE), pela Medida Provisória 1.308 de 2025, evidenciam um país disposto a flexibilizar regras justamente onde deveria haver mais rigor. Para comunidades quilombolas, que vivem historicamente à margem das decisões políticas, esse tipo de mudança não é apenas burocrática, mas existencial.

Para os kalungas, preservar o território e a mata nativa não é ideologia: é sobrevivência. É também um alerta que deveria ecoar para toda a sociedade. Há séculos eles entenderam o que o Brasil parece insistir em ignorar: sem território, não há povo; sem mata, não há futuro.

Essa visão ficou evidente na 1ª edição da Semana Quilombola do Moinho, promovida pela Secretaria Municipal de Cultura de Alto Paraíso e pela entidade Alok (do DJ goiano). O evento, além de celebrar tradições, funcionou como um ato político por um grito de identidade de um povo que não teme “ser de uma vez”, como eternizou o compositor Roberto de Melo Santos, o Di Melo.

Os kalungas, além de remanescentes de quilombo, carregam heranças milenares de povos indígenas que habitaram a região muito antes do avanço da modernidade. São guardiões de saberes que sobrevivem ao tempo, à exploração e, sobretudo, ao esquecimento.

E é justamente por isso que sua presença — e seu território — importam. Onde gigantes vivem, não cabe a lógica da destruição.

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