Lixões em Goiás: tragédia anunciada e omissão institucional e parlamentar

12 julho 2025 às 20h00

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Em menos de uma semana, dois desastres ambientais relacionados a lixões em Goiás foram expostos o que há anos se desenha como uma tragédia anunciada: a permanência de unidades irregulares de descarte de resíduos, mesmo diante de alertas, avaliações e decisões judiciais. Os episódios — um desmoronamento em Padre Bernardo e um incêndio prolongado em Piracanjuba — escancararam a falta de controle, a fragilidade da gestão ambiental e, sobretudo, a conivência legislativa que alimenta o problema.
O colapso do aterro privado Ouro Verde, em Padre Bernardo, contaminou solo e água e foi classificado pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Semad) como a maior tragédia ambiental em Goiás desde o acidente com o Césio 137, em 1987. A estrutura operou sob disputa judicial, mesmo com histórico de autuações e uma perícia confirmando o risco de penetração. Após o desastre, a Semad embargou o local. As tentativas anteriores de interdição foram sistematicamente revertidas pelas decisões da Justiça.
Em Piracanjuba, um vídeo gravado no lixão municipal revela focos de incêndios ativos. Segundo o Corpo de Bombeiros, o fogo consome uma área há meses. Em 2023, o Ministério Público fechou o bloqueio local, mas a prefeitura voltou a utilizar o espaço irregularmente, sem qualquer solução definitiva para o descarte de resíduos sólidos. Contrariando a lei, diversos municípios goianos ainda operam lixões a céu aberto.
Goiás é hoje o segundo estado com maior número de lixões a céu aberto do Brasil, segundo dados de 2023 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico: são 177 unidades em funcionamento. O estado perde apenas para a Bahia. Esses números ilustram o fracasso na aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010 com prazo inicial até 2014 para o fim dos lixões.
Ainda assim, após sucessivas prorrogações, a Câmara dos Deputados aprovou neste ano o Projeto de Lei 1323/24, de autoria do deputado goiano Adriano do Baldy (PP), que concede mais cinco anos para que os municípios encontrem soluções para seus resíduos — medida que removeu, novamente, a responsabilidade e adia o enfrentamento real do problema.
A justificativa é recorrente: os prefeitos alegam não ter estrutura técnica, financeira ou apoio suficiente para dar fim aos lixões. Enfrentamentos com muitas limitações concretas. Mas o problema vai além da escassez municipal: está também na conivência parlamentar que opta pela postergação como estratégia.
A aprovação do novo adiamento pela Câmara Federal evidencia o descaso institucional com o cumprimento de metas ambientais mínimas. Deputados federais e estaduais — especialmente os representantes de estados como Goiás — deveriam estar liderando soluções, propondo soluções técnicas e financiamento adequado. Em vez disso, optam por prorrogar prazos indefinidamente, o que, na prática, significa autorizar a continuidade da manipulação ambiental.
O resultado é o que se viu em Padre Bernardo e Piracanjuba: comunidades expostas a riscos, contaminação ambiental, omissão do poder público e sensação de impunidade. Enquanto isso, as lixões seguem operando — embargados ou não, ilegais ou não — como se fossem parte intransponível do cotidiano. As tragédias, como alertado pela Semad, tendem a se repetir com a morosidade do poder público.
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