Erro de Daniela Lima com Carlos Bolsonaro é sinal dos tempos para a grande imprensa

31 janeiro 2024 às 10h11

COMPARTILHAR
Na manhã da segunda-feira, 29, estoura nova fase da Operação Vigilância Aproximada, da Polícia Federal, que apura interferências indevidas na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Desta vez, não apenas uma ação a mais, mas no coração da família que polarizou o Brasil: a casa do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em Angra dos Reis (RJ).
Os agentes cumprem lá – e também em outros pontos do Rio, além de Goiás e Distrito Federal – mandados de busca e apreensão. Do lado da imprensa, a movimentação é grande e a pressão por informações exclusivas e em primeira mão, maior ainda.
Nessas ocasiões, com todos os olhares atentos, nas redações dos grandes veículos, como o conglomerado Globo, é considerado um grande vexame ficar para trás na apuração. Ao mesmo tempo, sabem todos que a internet e os smartphones facilitam tanto a rapidez como a disseminação dos acontecimentos. É preciso “combater com as mesmas armas” para garantir a hegemonia.
A GloboNews concentra sua programação matinal na apuração dos fatos e chega ao celular da jornalista Daniela Lima, que está apresentando o programa Conexão, a informação de que um computador da Abin havia sido apreendido entre os pertences de Carlos Bolsonaro. Uma bomba. Ela imediatamente leva ao ar a notícia, que lhe teria sido repassada por um agente.
A novidade se espalha como um rastilho de pólvora nas redes sociais. Afinal, “Carluxo”, como é conhecido o “filho 02” de Bolsonaro, era também o chefe da militância digital do governo de seu pai, chegando a ocupar uma sala no Palácio do Planalto, apesar de ser vereador no Rio de Janeiro. O aparelho apreendido seria o popular “batom na cueca”, quase um xeque-mate para quem tinha alguma dúvida sobre o caso.
Só que não foi o que aconteceu, na realidade. Havia mesmo um notebook da agência pego pela PF na operação, mas que havia sido encontrado na casa de um militar que fora assessor do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-chefe da Abin e que tinha sido alvo da mesma operação, dias antes. Provavelmente, houve um ruído na comunicação entre quem estava na cena do fato, o informante e a jornalista. Horas depois, Daniela Lima se tornava chacota e via multiplicar nas redes as ofensas e as manifestações de ódio que naturalmente já recebe, tachada no mínimo de “comunista” e no máximo de todas as formas de violência que só as mulheres recebem e conhecem.
No dia seguinte, no mesmo espaço da TV e também nas redes, a jornalista se retifica: “Aqui a correção no ‘Conexão’. Aos telespectadores e aos envolvidos, meu pedido de desculpas. A responsabilidade de fazer a curadoria da notícia é minha – e ontem eu falhei. Mas o que diferencia o jornalista é o compromisso com o fato. Erro se corrige na mesma medida”, disse.
Admitida a “barriga” – termo antigo para se referir a uma notícia equivocada e que passou a equivaler a uma “fake news”, embora não sejam sinônimos –, obviamente que isso não muda o comportamento belicoso da militância sobre Daniela. E claro que a compensação nunca será na medida do efeito inicial, como bem observou o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, ao comentar o pedido de desculpas: “O problema é que o entusiasmo em dar a notícia falsa claro que foi muito maior do que o entusiasmo em corrigir o erro e, por conta disso, muita gente espalhou a notícia falsa e talvez não saiba que nunca existiu computador da Abin na casa do Carlos e que nada foi encontrado lá.”
Valdemar está certo. A notícia falsa tem muito mais força do que seu desmentido. E foi exatamente sabendo disso e se utilizando dessa artimanha como estratégia que a extrema direita construiu sua estrutura de comunicação durante todos estes anos. Entre os inúmeros casos de vítimas da aterradora máquina de destruição de reputações do grupo, um exemplo típico é a ex-deputada gaúcha Manuela D’Ávila (PCdoB), que teve sua vida privada devassada e distorcida, levando-a a abandonar a disputa política em 2022.
Mas não é exatamente essa a questão que importa aqui: o episódio com Daniela Lima é um marco de como mesmo uma potência do porte da Globo simplesmente não dá conta de acompanhar os fatos no mundo contemporâneo de forma ideal.
A malfadada apuração de Angra dos Reis é um poderoso registro de que a mecânica da informação se transformou. Mesmo os maiores veículos não têm tentáculos suficientes para chegar sempre à frente da apuração. Pelo contrário, a tendência é de que o “furo” seja algo cada vez mais raro para eles. Enquanto a grande imprensa não tomar isso como um dado e virar a chave, deixando de ser refém da hegemonia do “exclusivo” ou do “em primeira mão”, viverá no fio da navalha, exposta a vexames – não há outro termo para se usar – como o que vitimou Daniela Lima.