Em menos de sete dias, as notícias de dois desastres ocorridos em lixões de Goiás chamaram a atenção para um problema ambiental lentamente gestado e longamente ignorado. As duas tragédias — o deslizamento que contaminou a água e o solo, e um incêndio que já dura meses — atingiram um lixão privado e um lixão público. Em comum, há o fato de que as duas unidades tinham histórico de irregularidades e sanções, mas continuavam operando.

O desabamento de parte no lixão privado de Padre Bernardo (da empresa Aterro Ouro Verde), ocorrido na última quarta-feira, 18, expôs os riscos ambientais que há anos vinham sendo apontados por órgãos de fiscalização e a disputa judicial que manteve o local em funcionamento. Mesmo após uma perícia judicial, o aterro seguiu operando até ser finalmente embargado pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad) na quinta-feira, 19. Todas as tentativas anteriores de interdição haviam sido revertidas por decisões judiciais, permitindo a continuidade das atividades em desacordo com as normas ambientais.

Um incêndio foi registrado no lixão municipal de Piracanjuba na segunda-feira, 23. Um vídeo mostra o foco de fogo, no entanto, o local parece estar em chamas a meses. Mesmo com bloqueios pelo Ministério Público no último ano, o local ainda é utilizado pela prefeitura para descartar resíduos sólidos e os incêndios seguem recorrentes. O comandante da 25ª Companhia Independente Bombeiro Militar, Lucas Reis, afirmou em entrevista ao Jornal Opção: “A gente vai lá todos os dias, mas o lixão está queimando há meses.”

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico de 2023, Goiás é o segundo estado com mais lixões a céu aberto do país — eram 177 em 2023, atrás apenas da Bahia, com 305. A Lei dos Resíduos Sólidos previa inicialmente prazo até 2014 para o fim dos lixões a céu aberto em todos os municípios; em 2019, o Congresso Nacional alterou a norma e concedeu mais cinco anos, até o final de 2020. Os municípios com até 50 mil habitantes (é o caso de Piracanjuba) pelo Censo de 2010 tiveram até agosto de 2024. Então, o Projeto de Lei 1323/24, do deputado federal goiano Adriano do Baldy (PP) propôs prorrogar por cinco a destinação adequada dos resíduos sólidos.

O fato é que, mesmo sancionados, os lixões continuam operando em condições de risco. Os representantes dos municípios alegam não ter alternativa, dizem que o problema cresceu ignorado por décadas e agora é impossível solucioná-lo em apenas uma gestão e dizem ainda que punições inviabilizam as gestões. Talvez tenham razão, mas os lixões, que deveriam ter sido extintos em 2019, não foram, e agora desmoronam e queimam e contaminam. Convém às instâncias superiores compreender que sua tarefa é apontar alternativa factível. Sem caminho viável, lixões continuarão sendo usados, embargados ou não.