Dia do Vereador: mais de 5 mil câmaras municipais funcionam como arenas de barganha, aponta estudo

01 outubro 2025 às 12h54

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Em 2023, uma pesquisa do Banco Mundial e do Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci) mostrou que a política municipal brasileira enfrenta grandes desafios quanto a problemas estruturais, como desvios de recursos públicos, falta de acompanhamento da execução de políticas públicas e baixo diálogo com a sociedade civil. A pesquisa teve como base um questionário respondido pelas Unidades Centrais de Controle Interno (UCCIs) de mais de 1.800 municípios, incluindo 121 cidades do estado de Goiás.
A principal razão apontada para as irregularidades foi a baixa estruturação das centrais de fiscalização que seguem a legislação, como pela Lei Anticorrupção n.º 12.846, de 2013, há doze anos, no último período do governo de Lula 2, e recomendações de controle. O estudo também mostrou que os problemas gerados pela corrupção implicam diretamente em índices de desenvolvimento, sendo “proporcionais entre UCCI e porte do município, arrecadação, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), urbanização e Produto Interno Bruto (PIB).”
Da mesma forma, Almerinda Alves de Oliveira, auditora da Controladoria Geral do Estado do Mato Grosso, apontou em um artigo publicado na Revista da Controladoria-Geral da União (CGU) que o nepotismo e o patrimonialismo histórico brasileiro persistem apesar dos avanços recentes na legislação.
“No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano […]. Os cargos são considerados prebendas. A res publica (coisa pública) não é diferenciada da res principis (coisa privada). Em consequência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração.”
Segundo o estudo, a reforma administrativa do governo Vargas e a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1936 não foram suficientes para derrubar o coronelismo (da República Velha) que impregnava o Poder Público naquela época. Com isso, apenas deram lugar ao clientelismo e ao fisiologismo político, que ainda ocorrem nas três instâncias de poder.
Contudo, suas origens são ainda mais antigas na criação das capitanias hereditárias por Dom João III, como diz o jornalista e professor da Universidade Paulista (USP), Gaudêncio Torquato. “Tudo começa com a Árvore do patrimonialismo, a âncora dos ismos em nossa cultura política: caciquismo, fisiologismo, familismo, filhotes do patrimonialismo”, diz.
“E de onde vem essa sopa? Da herança deixada por dom João III, entre 1534 e 1536, quando criou as capitanias hereditárias e as distribuiu entre os donatários. Tem origem aí a imbricação entre os espaços públicos e privados. Origina-se aí essa mistura. Os donatários entendiam que as capitanias eram suas, propriedade privada. Esse é o berço do patrimonialismo.”
Dessa forma, as mais de 5.000 câmaras municipais existentes no país funcionam como arenas de barganha, em vez de cumprirem o papel fiscalizatório.
Cenário em Goiás
Em Goiás, esses problemas estão presentes em vários municípios do interior, incluindo a câmara municipal de Goiânia, como a nomeação de parentes e amigos de vereadores para cargos na prefeitura. Muitas vezes, a nomeação de cargos ocorre como acordo político para garantir apoio e até mesmo a aprovação de projetos de autoria do governo.
Por causa disso, projetos que poderiam impactar positivamente a comunidade, como a representação de minorias por selos e adesivos emitidos pelo Poder Público, são rejeitados e engavetados pelo plenário. Enquanto isso, projetos moralistas e inconstitucionais, como a multa por uso de drogas em ambientes abertos (que já possui multa e penalização próprias no Código Penal), são aprovados e sancionados pelo Executivo com clamor.
Ao mesmo tempo, a verba pública é desviada em milhões em emendas parlamentares para conhecidos e parentes de legisladores, como revelou a Operação Picadeiro, de julho deste ano, que apurou desvio de R$ 1,8 milhão em emendas para Organizações Não Governamentais (ONGs) sem a devida inscrição.
Por isso, neste dia 1º de outubro, em que se celebra o Dia do Vereador, é dever do cidadão refletir e analisar o papel necessário dos legisladores de representar o interesse público em sacrifício dos interesses privados. Quando isso não ocorre, o cidadão paga o preço.