As desprezíveis palavras do vereador de Goiânia Igor Franco sobre religiões de matrizes africanas

04 julho 2025 às 17h45

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Jorge Amado foi um dos mais importantes e populares escritores brasileiros do século XX. Baiano, comunista, ex-deputado federal e, apesar de ateu, foi o responsável pela Emenda Constitucional 3.218 que inseriu na Constituição de 1946, o parágrafo 7° do artigo 141 — “É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos”.
A vida de Jorge Amado foi marcada pelo ativismo político. Foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e chegou a ser eleito deputado federal constituinte pelo Rio de Janeiro em 1946. No Congresso, apresentou projetos voltados para a cultura e os direitos civis, sendo autor da lei que garantiu a liberdade de culto religioso no Brasil, um marco na laicidade do Estado. Sua militância política lhe custou perseguições, prisões e o exílio.
Sua obra é marcada por um profundo amor pelo povo brasileiro, em especial o povo baiano. Ele deu voz a personagens invisibilizados pela elite cultural da época: prostitutas, pescadores, mães de santo, vagabundos, trabalhadores do cacau, filhos da miséria e da resistência. Jorge Amado foi também um dos maiores divulgadores da cultura afro-brasileira, da capoeira, do candomblé e da religiosidade sincrética, sempre com respeito e celebração. Ele era filho de uma família de proprietários de terras, mas escolheu o lado dos oprimidos, o que transparece na empatia de seus romances.

O vereador Igor Franco (MDB), parece não ter respeito algum pela cultura e tradição do próprio povo, e ignora que a Tribuna Livre da Câmara de Goiânia é livre para aqueles que querem falar sobre qualquer religião. Caso contrário, que se determine a proibição de falas acerca de todas as religiões ou símbolos religiosos — o que poderia ser nocivo para a liberdade de expressão e de culto.
Em todas as sessões legislativas do país (e a Câmara Municipal de Goiânia não é diferente), a bíblia está presente. O principal instrumento da doutrina cristã por vezes é desrespeitada pelos próprios vereadores. O sagrado, na boca dos parlamentares, serve para dar recados políticos a adversários. A bíblia, sagrada para os cristãos, é instrumentalizada para ataques políticos por aqueles que dizem compartilhar da fé.
Sendo a bíblia lida e relida todos os dias no parlamento, como pode o Estado ser chamado de laico? A laicidade do Estado brasileiro está de pé, cambaleando, desde a Proclamação da República, em 1889, por meio do decreto que separou Igreja e Estado. É um dispositivo importante para garantir o mínimo de respeito às raízes multiculturais brasileiras, forjadas pelo processo de escravidão que trouxe o maior contingente de africanos escravizados entre todos os países, forjado no processo de embranquecimento durante os séculos XX e XIX.
Se o Estado brasileiro não tem religião oficial desde 1981, que direito tem um vereador de impedir que a Tribuna Livre tenha manifestações de quaisquer religiões que seja? O vereador por Goiânia, Igor Franco (MDB) exemplificou a intolerância deliberada e injustificada. De forma desrespeitosa, o parlamentar disse na sessão de quinta-feira, 3, que não permitiria uma reverência ou exaltação ao Zé Pilintra na tribuna da Câmara Municipal.
O vereador mostrou ser desconhecedor, e por consequência desrespeitador, da tradição do seu próprio povo, ao dizer “Enquanto Deus me permitir enquanto eu ser vereador, eu não vou permitir uma pessoa subir naquela tribuna para exaltar Zé Pilintra”. Zé Pilintra é um dos maiores símbolos da ancestralidade das religiões afro-brasileiras. Igor Franco precisa aprender que essas religiões estão crescendo e ocupando os espaços tradicionais, apesar de século de perseguição, tentativa de apagamento.
Durante uma sessão de homenagens no legislativo goianiense, o vereador disse que apresentaria um requerimento para alterar o regimento da Tribuna Livre, um espaço reservado em sessões ordinárias do legislativo para que cidadãos ou representantes de entidades da sociedade civil possam se manifestar livremente sobre assuntos de interesses públicos.
Para contornar o dito, o vereador agora diz que não vai tentar proibir que o espaço livre seja utilizado para exaltar qualquer religião que seja. “Povo distorce as coisa” (sic). Conta que apenas vai sugerir mudanças no regimento da Tribuna Livre para que os temas sejam aprovados previamente, assim como as audiências públicas. Franco é advogado, pós-graduado. Sabe que se levar a frente o preconceito religioso escancarado durante a sessão, corre sérios ricos de ser enquadrado pela Justiça com base na Lei de Antirracismo. Se aprovado, a mudança no regimento pode impor censura prévia contra pautas minoritárias.
Por ora, sabe que a imbecilidade dita pode ser vista apenas como o que é: uma imbecilidade. A ele, faltou coragem de defender o que quis de fato defender: que os símbolos das religiões de matrizes africanas não sejam exaltadas como merecem na tribuna da Casa do Povo.