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Há dois anos, o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 — a chamada Operação Dilúvio de Al-Aqsa — reacendeu a mais longa e dolorosa ferida do Oriente Médio. Desde então, mais de 67 mil palestinos foram mortos em Gaza, segundo estimativas das agências humanitárias da ONU. A guerra, conduzida sob o argumento de autodefesa, transformou-se em uma campanha de destruição em massa e deslocamento humano. O que era uma resposta militar tornou-se uma catástrofe moral.

Israel, sob o comando de Benjamin Netanyahu, não apenas reagiu ao terror do Hamas: ampliou as fronteiras do conflito, atacando alvos no Líbano, Síria, Iêmen, Iraque e até o Irã. Em nome da segurança, ergueu-se um cerco que já não distingue combatentes de civis. Gaza, antes uma prisão a céu aberto, agora é um cemitério sem muros. E o governo israelense, que deveria ser guardião da memória do sofrimento judeu, parece ter se esquecido da advertência contida nessa própria história.

O historiador israelense Omer Bartov, especialista em genocídios e professor na Universidade Brown, tem alertado para os riscos dessa distorção histórica. “Quando um povo transforma sua própria experiência de vitimização em licença para infligir sofrimento a outros, ele perde a consciência moral que o sustentava”, afirmou em entrevista recente. Bartov lembra que o Holocausto não pode ser usado como escudo para justificar políticas que resultam na aniquilação de populações civis.

Historicamente, o conflito israelo-palestino sempre foi alimentado pela recusa de ambas as partes em reconhecer a legitimidade do outro. Mas a atual guerra rompeu qualquer fronteira ética. Netanyahu, acuado por processos de corrupção e pela fragmentação de sua coalizão de extrema-direita, encontrou na guerra uma forma de sobrevivência política. O prolongamento do conflito garante sua permanência no poder e adia julgamentos que poderiam encerrar sua carreira. Cada míssil lançado em Gaza tem também um cálculo interno de autopreservação.

Enquanto isso, o recém-apresentado plano de paz de Donald Trump tenta transformar o massacre em oportunidade diplomática. O ex-presidente norte-americano vende a ideia de um “acordo histórico” que criaria um Estado palestino reconhecido, mas com o Hamas excluído e sob tutela indireta de Israel. É uma proposta pragmática na aparência e inviável na essência. Sem soberania real, sem reparação humanitária e com a Palestina reduzida a um protetorado, o plano de paz soa mais como uma rendição imposta do que como reconciliação.

A paz, portanto, continua sitiada. Não pela resistência palestina nem pelas divisões internas israelenses, mas por um sistema político que usa a guerra como instrumento de poder. O mundo assiste — de novo — ao colapso de qualquer noção de humanidade compartilhada. E, como lembra Bartov, quando o sofrimento alheio deixa de nos comover, o genocídio deixa de ser uma tragédia histórica e passa a ser apenas uma estratégia de governo.

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