A batalha que você não vê pela identificação do autismo
24 dezembro 2025 às 15h09

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Jéssica Torres
Ser mãe de uma criança neuroatípica é descobrir, cedo demais, que entre perceber os primeiros sinais e conseguir um diagnóstico existe um caminho cheio de obstáculos invisíveis. Antes do laudo, vem a desconfiança dos outros. Quando levantamos dúvidas, ouvimos que é “manha”, “frescura”, “falta de limites”. São palavras que ferem não apenas pela dureza, mas porque atrasam a busca por ajuda, deixando mães divididas entre o instinto e a pressão social.
O autismo não é sinônimo de incapacidade. É uma condição neurológica que faz a criança perceber e responder ao mundo de forma diferente, não menor. Reduzir o TEA a limitações é ignorar habilidades, talentos e modos singulares de existir. A linguagem importa também e é o mínimo evitar termos pejorativos, além de reconhecer que o diagnóstico não define quem ela é, apenas orienta o suporte necessário.
No meio desse labirinto, existe outra camada que quase ninguém menciona: a dificuldade de diferenciar o que é atraso, o que é comportamento neurodivergente e o que poderia ser sinal de sofrimento emocional ou até trauma. Muitas mães vivem com esse medo silencioso, tentando entender se determinado gesto é apenas parte do desenvolvimento ou se é um pedido de socorro que ninguém ensinou a decifrar. A ausência de orientação clara faz com que carreguemos sozinhas dúvidas que deveriam ser acolhidas por uma rede preparada e sensível.
Quando finalmente superamos a etapa da suspeita, começa a segunda batalha: conseguir o laudo. A fila no sistema público é longa, a oferta de especialistas é pequena e, para muitas famílias, o setor privado acaba se tornando a única alternativa, só que uma alternativa cara, inacessível para grande parte da população. Avaliações multidisciplinares, consultas especializadas e terapias têm valores altos, e isso transforma o diagnóstico, que deveria ser um direito, em algo quase inalcançável.
Esse percurso revela algo incômodo: a sociedade espera que as mães se tornem peritas em desenvolvimento infantil ao mesmo tempo em que enfrentam julgamentos mais rápidos que orientações. Com jornadas triplas, há trabalho no escritório, em casa e ainda idas às terapias, e em raros casos há um pai lutando junto. O diagnóstico não deveria ser conquista de quem insiste até o limite, mas um direito garantido e acessível.
Falar sobre autismo é falar sobre dignidade e urgência. É lembrar que nenhuma criança é menos por ser neurodivergente e que todas merecem compreensão, cuidado e oportunidades. Nenhuma infância deveria depender da sorte de ser reconhecida a tempo, e nenhuma mãe deveria travar sozinha uma batalha que, por natureza, deveria ser coletiva.

