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O intolerável foi o uso recente do BNDES para financiamento de governos estrangeiros, abdicando de garantias e beneficiando ditaduras escancaradas ou disfarçadas

O Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nasceu em 1952, no governo do presidente Getúlio Vargas, como organismo de fomento, destinado inicialmente a gerir um fundo misto de financiamento do Eximbank (Export-Import Bank-EUA), do World Bank (também do EUA) e do governo brasileiro.

Voltou-se, em seu início, para a melhoria e ampliação de portos, ferrovias, hidrelétricas e armazéns. Tornou-se, com o passar do tempo, um dos maiores bancos de fomento do mundo, em volume de recursos. Fica, com mais de meio trilhão de dólares em ativos, no quarto lugar, atrás do Banco da China (4 trilhões de dólares) Alemanha (1 trilhão) e Japão (700 bilhões).

Teoricamente voltado, hoje, para o financiamento de longo prazo a empresas, visando o desenvolvimento nacional, o BNDES já foi elogiado pelo Prêmio Nobel de Economia J. Stiglitz.

Contudo, aos seus 70 anos de existência, emerge dos governos FHC, Lula da Silva e Dilma Rousseff, com uma imagem bastante manchada nos quesitos de eficiência, honestidade e metas alcançadas. Ainda que não mais presentes as diretorias responsáveis pelos desmandos das últimas décadas, os dados do banco ainda são guardados a sete chaves, com escudo no sigilo bancário, o que na verdade trabalha a favor da impunidade no que parece ter sido o maior exemplo de mau uso de um banco em todo o mundo. Responsáveis dentro do banco e fora dele continuam sem responder pelos enormes desvios dessas últimas décadas, o que, favorecendo a impenitência do passado, estimula práticas desonestas no futuro.

As denúncias de corrupção no BNDES não são novas. No próprio regime militar, houve o famoso caso Lutfalla, quando o deputado Paulo Maluf, usando sua influência no governo Costa e Silva conseguiu empréstimos para a empresa do sogro, que logo entraria em regime falimentar. O governo Geisel, ao tomar conhecimento do problema, acabou por decretar o confisco da empresa. Mas foi um caso pontual e houve ação enérgica do próprio BNDES, via de seu novo presidente Marcos Vianna, e do próprio governo.

BNDES: por que financiar Cuba, Angola e Venezuela? | Foto: Reprodução

O intolerável, o indefensável, foi o uso recente do BNDES para financiamento de governos estrangeiros, abdicando de garantias e beneficiando ditaduras escancaradas ou disfarçadas. Ou para financiamento de amigos do rei, visando transformá-los em megaempresários. Começou com FHC. Fernando Henrique Cardoso, no ano 2000, via do BNDES financiou venda de ônibus e alimentos para a Cuba dos irmãos Castro e obras do metrô de Caracas, atendendo a Hugo Chávez. Não se sabe se esses empréstimos foram honrados por Cuba e Venezuela, embora tudo leve a crer que não foram pagos, uma vez que todos os empréstimos do BNDES posteriores para esses dois países foram objeto de um descarado, mas previsível calote.

Nos governos Lula e Dilma, foi a apoteose. Se por um lado amigos do governo, elevados a “empresários campeões” usaram e abusaram do BNDES, por outro lado os recursos do banco, que afinal acabam sendo recursos públicos, ou seja, do sofrido trabalhador brasileiro, jorraram em países estrangeiros, governados por esquerdistas “companheiros”, financiando obras de infraestrutura que deixaram de ser financiadas por aqui. E com dois agravantes: em boa parte contemplaram governos incapazes de pagar os empréstimos, por lhes faltarem recursos; e quase sempre financiaram obras superfaturadas, tocadas por empreiteiras corruptas e amigas dos dirigentes petistas. Entre os “campeões” estava o empresário Eike Batista, cuja bancarrota não se sabe que repercussão teve no BNDES. E a JBS, que não se preocupava com o pagamento de empréstimos, pois ao que parece o Banco estava sempre pronto a transformá-los em participação acionária. Entre as obras que o BNDES financiou no estrangeiro, pelo menos dez carregam interrogações.

Por que financiar obras de infraestrutura na Venezuela, na Argentina, em Angola, em Moçambique, em Honduras, na República Dominicana e em Cuba? Nossa infraestrutura atingiu um grau de perfeição tal que nada mais precisa ser feito por estas bandas e podemos cuidar da infraestrutura dos vizinhos? E qualquer cidadão de juízo sabia que Cuba, por exemplo, jamais nos pagaria um tostão. O comunismo de Fidel Castro transformou uma ilha pujante em um país de indigentes, cujo governo não tem sequer como comprar alimentos, que são racionados. Como poderia pagar um empréstimo para construir seu Porto de Mariel?

Como veio a acontecer tudo isso?  As respostas continuam ocultas para o cidadão brasileiro, que pagou por tudo. E os responsáveis pelos abusos no BNDES permanecem submersos e impunes. Absolutamente impunes, embora sejam muitos, uns ainda ocultos, outros conhecidos de sobra.

Algumas apurações chegaram mesmo a ser feitas sobre esses aproveitamentos indevidos de nosso banco de fomento, mas não houve sequência, punições. Ocorre que pouco ou nada foi divulgado dessas apurações. Há como que um conluio da grande imprensa para que esses fatos permaneçam na obscuridade. Afinal, atingem grandemente figuras gratas a essa mesma imprensa e abalam seu prestígio eleitoral, em um momento em que elas buscam voltar ao cenário político. Uma propina para compra de bíblias para pastores bisonhos desperta mais a imprensa do que desvios bilionários do BNDES por políticos graúdos. Um exemplo de apuração, para que o leitor saiba um pouco mais das coisas:

Em março de 2019 foi instalada uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar os desmandos no BNDES. Seu proponente (epPresidente) foi o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) e o relator foi o deputado Altineu Cortes (PL – RJ). Os trabalhos (ao contrário do que ocorreu com chamada CPI da Pandemia), correram com discrição e seriedade. A CPI encaminhou seu relatório final em outubro de 2019. Poucas comissões dessa natureza trabalharam com tanto cuidado e respeito. Foram feitas cerca de 40 reuniões e ouvidas dezenas de depoentes, entre elas diretores do BNDES, ministros do TCU – Tribunal de Contas da União, ex-ministros e funcionários dos órgãos públicos federais do setor do Comércio Exterior. Também dezenas de documentos (talvez centenas) foram analisados, tudo com discrição e a devida correção, sem espetáculos midiáticos, sem desrespeito a depoentes.

A CPI foi fundo no pesquisar as irregularidades nos financiamentos à empresa JBS e nos financiamentos a obras no estrangeiro. Seu relatório de quase 400 páginas está baseado em sólida documentação. Sugiro ao leitor sua leitura. Está na internet. Mostra, passo a passo, a intricada estrutura que foi montada para a gigantesca ação criminosa que utilizou os recursos do BNDES para benefícios escusos, desvios, lavagem de dinheiro e propina. Propôs a CPI ao Ministério Público, com fundamento nessa farta documentação e nos depoimentos, o indiciamento de Lula, Dilma, Guido Mantega, Antônio Palocci, Celso Amorim, Luciano Coutinho (que era Presidente do BNDES à época operações fraudulentas), de diretores e assessores do BNDES (que participaram das concessões indevidas de  créditos), de funcionários ou conselheiros da CAMEX – Câmera de Comércio Exterior, do COFIG – Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, de Marcelo e Emilio Odebrecht e de vários outros envolvidos. Propôs ainda a anulação do Acordo de Delação Premiada firmado pela JBS, que considerou portador de omissões e falta de verdade. Todo o relatório da CPI é elaborado com base em elementos de prova colhidos ao longo dos seus 200 dias de trabalho. Trata de bilhões de reais desviados do Tesouro Nacional, que em última análise respondeu pelos ilícitos. E ficam as perguntas: A imprensa deu cobertura a essa CPI numa mínima parte do que deu à CPI-Circo da Pandemia? O leitor viu alguém processado, condenado e preso pelos crimes por ela mostrados? É a impunidade, estimulando novos roubos.