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De Aveiro, Portugal — Costumo dizer que dois fatores se combinaram para que Portugal tivesse, como tem, uma das melhores cozinhas do mundo: um, a condição agrícola, climática e marítima natural, que lhe dá um conhecimento milenar do que melhor podem o campo e o oceano produzir, seja vegetal, seja animal, incluído aí o abundante pescado de suas costas. E dois, a experiência de quinhentos anos das especiarias, os temperos, que, desde que descobriu o caminho para as Índias, importou, adaptou e combinou até chegar à excelência. 

As opções de bons restaurantes em Portugal são quase infinitas. Come-se e bebe-se bem nas grandes e pequenas cidades, seja no centro, seja na periferia. O mesmo acontece nas estradas. Os restaurantes lindeiros das excelentes rodovias portuguesas não costumam decepcionar, por menores que sejam. Mas é nas pequenas cidades, como a bela Aveiro, onde a cozinha continua a ser a tradicional, herdada dos avós, e não há ainda a pressão turística que força a industrialização daquilo que é bom justamente porque é artesanal, que se encontra algo mais: a simpatia e a atenção dos donos do estabelecimento. É evidente que essa atenção pessoal, esse acolhimento quase caseiro só pode ser dado nos estabelecimentos pequenos, familiares ou quase, a que os donos se fazem presentes diuturnamente. 

Os irmãos Tavares numa fotografia atual | Foto: Divulgação

O restaurante Tertúlia, ou Tertúlia Bistrô, como se identifica nas redes sociais, que fica no Largo da Apresentação, bem no centro de Aveiro, se insere nessa categoria de estabelecimentos médios para pequenos, de boa cozinha típica portuguesa, onde se encontram bons vinhos e onde a presença simpática dos proprietários torna ainda mais agradável o que ali se degusta. Uma dezena de mesas no interior, um pouco menos talvez na calçada, onde preferem se instalar, mesmo no inverno, os que já se acostumaram ao frio ameno da região.

O Tertúlia é tocado pelo proprietário, o português da gema Silvio Tavares, sua mulher Maria Aparecida, brasileira do Recife e o irmão Ernesto. O chef Bruno e a atendente Sara completam o time de craques do local. Ali estão todos os dias, exceto às segundas, seu descanso semanal.

Descanso vírgula, pois como diz o Sílvio, nesse dia há que se trabalhar mais, pois é o dia das compras semanais, em que se exige dedicação e cuidado na escolha dos ingredientes, para que a qualidade da cozinha se mantenha lá no alto. Enquanto Silvio e Aparecida supervisionam a cozinha, Ernesto cuida das sobremesas. A cidade é o berço de um doce português famoso, os “ovos moles de Aveiro”. E Ernesto os usa para recheio das “tripas”, uma espécie de crepe local, ou das “bolachas”, outro crepe, este de capa dura. Tudo de dar água na boca.

Arsénio (cantor), Ernesto e Silvio Tavares | foto Divulgação

A simpatia e atenção dos proprietários, mais essa qualidade da cozinha, fazem com que quem ali vá uma vez guarde a vontade de um retorno.

Silvio nasceu ali perto, na Gafanha da Nazaré, e na juventude, foi artista da música. Compunha uma banda de rock nos anos 1960 e 1970, chamada Os Irmãos Tavares, com os irmãos Arsénio e Ernesto e a irmã Celeste. Apresentaram-se em Portugal e em outros países da Europa. Hoje, Silvio e Ernesto cuidam do restaurante e Celeste vive com a família na Golegã, a cidade onde se criam os bons cavalos portugueses. Arsénio continua na vida artística. É contratado como cantor de bela voz e variado repertório, aí inclusas canções americanas e brasileiras, de uma grande companhia de navegação fluvial e costeira. Quem já fez uma aprazível viagem pelo Rio Douro ou um cruzeiro pela Costa Europeia em um desses enormes barcos turísticos pode ter apreciado sua voz. 

O primeiro atrativo do Tertúlia para nós (minha mulher e eu), logo que chegamos a Aveiro para uma tarefa que consumiria alguns meses, foi a proximidade de nossa residência, logo superado pela qualidade da cozinha e mais ainda pela acolhida dos proprietários, sempre se desdobrando em que nos sentíssemos à vontade em seu estabelecimento. Hoje é para nós ponto de encontro, mesmo que seja para dois dedos de prosa com Silvio sobre os encantos de Portugal, ou sobre futebol (é torcedor apaixonado do Porto, e devo dizer que os portugueses gostam tanto quanto os brasileiros, ou mais, desse esporte). Também pode ser para uma troca de informações ou opiniões (melhor dizendo, preocupações) com Aparecida sobre o que se passa em nosso pátria amada, mãe gentil, ou apenas para um vinho do Porto de aperitivo.

Mas não se passam dois ou três dias sem um almoço ou jantar no Tertúlia. Que é também ponto de encontro se há uma data para comemorar, nossa ou de um brasileiro de passagem ou aqui residente, como a empresária Jacqueline Adorno, nossa comadre. Os filhos, se vêm a Aveiro, cobram uma ida até lá. E qualquer goiano que visite Aveiro quando aqui estamos, e que conosco se encontre, é nosso convidado para conhecer a verdadeira cozinha portuguesa, os melhores azeites ou os vinhos de excelente qualidade que muitas vezes não chegam às prateleiras dos supermercados ou das “garrafeiras” — lojas de bebidas — pois são de reduzida produção, em pequenas propriedades, disputados pelos conhecedores mais próximos, como o Silvio.

O goiano que visita Aveiro é por nós conduzido ao Tertúlia, e ninguém jamais reclamou. Aliás, basta buscar na internet e ver nos sites de avaliação de restaurantes as impressões dos viajantes ou locais que estiveram no Tertúlia, para se convencer das qualidades do lugar.