Os desastres do Covid-19: confira o que faltou dizer sobre o assunto

17 abril 2022 às 00h00

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Ortega y Gasset: “O especialista não é um sábio porque ignora formalmente o que não entra em sua especialidade. É um sábio ignorante”
Ao menos em aparência, parece afastado o perigo maior da pandemia do Coviv-19 e suas variantes. Salvo um foco pontual chinês, não só o contágio, mas também os sintomas e a morbidade estão, à volta do mundo, bastante atenuados e sob controle dos respectivos sistemas de saúde. E as restrições à circulação entre países vão, paulatinamente, desaparecendo. Que assim seja. As sequelas persistem, contudo, e a mais perversa delas é a inflação que se espalhou pelo globo, fruto da queda da produção nos mais variados setores, devido à doença, e que se agravou com a guerra da Ucrânia. Já se podem avaliar as falhas em que incorreu o mundo no tratar a pandemia, falhas essas responsáveis num primeiro momento pelo contágio e pelas mortes, e depois pelas dificuldades econômicas e inflação. Além dos erros localizados, em que governos se aproveitaram da situação para alcançar mais poder ou praticar a corrupção, três macro falhas podem ser conhecidas: desconhecimento da origem do vírus (logo, de seu comportamento), titubeio científico no tratamento e na vacinação e adoção do “lockdown”.
Vejamos cada uma dessas três falhas
Logo que surgiram os primeiros infectados pelo Covid em Wuhan, na China, surgiram também as indagações: o vírus teria origem natural, por transmissão de algum animal silvestre (o primeiro suspeito seria o morcego, comercializado para a alimentação chinesa)? Ou, como havia no local um laboratório de pesquisas biológicas, seria um vírus turbinado com algum “ganho de função” (apelido eufêmico dado o seu destino como arma de guerra)? Conhecer essa origem, e todos os dados a ela ligados seria fundamental para compreender os mecanismos de contágio, prevenção e tratamento da doença. Era uma missão para a OMS – Organização Mundial da Saúde, criada justamente para essas emergências, entre outras. Mas a Organização, um cabide de empregos para cientistas do terceiro mundo, com confortáveis escritórios em Genebra, na Suíça, e chefiada por um professor (nem médico é) de esquerda e de competência duvidosa, não se mexeu. Talvez temesse irritar os chineses. Ou melhor, só enviou, quase um ano após o surgimento do vírus, uma equipe a Wuhan, que voltou de mãos vazias, sem nenhuma informação útil. Nem mesmo se o vírus provinha do morcego ou do laboratório. E a China, que deveria fornecer todas as informações de que dispunha para o combate à doença, se trancou num obstinado e suspeito mutismo e se recusou a todo e qualquer tipo de cooperação. E para adensar ainda mais o mistério, sabe-se que houve financiamento com dinheiro dos Estados Unidos, no laboratório de Wuhan, para pesquisas virais, o que o famoso epidemiologista americano (e assessor do governo democrata atual) Anthony Fauci, tentou, não se sabe por que, esconder. Primeira falha, pois: não se conhecendo, como até hoje não se conhece a origem do vírus e como passou aos humanos, não puderam os laboratórios, com a devida presteza, buscar vacinas e medicamentos para combate à doença.
O rápido espalhamento do vírus pelo mundo, seu alto contágio e a consequente morbidade deixaram os cientistas, mesmo os dos melhores centros de pesquisa, perplexos. Sem saber por onde começar seus estudos, esses cientistas emitiram opiniões contraditórias, e auxiliaram a espalhar o pânico, no que foram, aliás, suplantados pelos governos, que se mostraram, ao redor do mundo, completamente atônitos. As primeiras recomendações, transmitidas pela OMS e aceitas por praticamente todos os países, foram desastrosas: Ficar em casa, aos primeiros sintomas, e buscar os hospitais apenas se surgissem problemas respiratórios. Os doentes, ao sentirem dificuldades no respirar, já tinham contagiado outras pessoas, tinham comprometimento pulmonar sério, necessitavam internação hospitalar e muitas vezes intubação. Faltaram, em escala global, leitos e equipamentos. A mortalidade foi alta. A reação dos laboratórios quanto à medicação foi pífia. Até hoje não se conhecem drogas curativas e mesmo de alívio para a doença. Uma vitória parcial, contudo, os cientistas obtiveram, no desenvolver várias vacinas de razoável eficácia, ainda que não se conheça a extensão das possíveis sequelas, dado o exíguo tempo de observação. Essa, pois, a segunda falha: as primeiras recomendações científicas foram equivocadas, e a vacinação tardou, por vários motivos, a se tornar uma ação global, resultando em superpopulação hospitalar e em elevada morbidade. Vamos à terceira, e talvez a mais evitável das falhas.
Ortega y Gasset, no seu livro “Rebelião das Massas” (o livro espanhol mais lido depois do “Dom Quixote”, de Cervantes) nos adverte para o perigo dos “especialistas”. Aí vai um trecho: “O especialista não é um sábio porque ignora formalmente o que não entra em sua especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é um “homem de ciência” e conhece muito bem sua fração do universo. Devemos dizer que é um sábio ignorante, coisa sobremodo grave, pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como ignorante, mas com toda a petulância de quem, na sua questão especial é um sábio”. Quando foi proclamada a pandemia do coronavírus, os especialistas do ICL-Imperial College de Londres, previram que se não houvesse controle do comportamento social (em particular, um lockdown), morreriam 500 mil pessoas na Grã-Bretanha e 2,2 milhões nos EUA.
O infectologista britânico Neil Fergusson, do ICL, preconizou as medidas de coerção que logo se espalharam pelo mundo. A BBC britânica irradia em 42 línguas diferentes e alcança quase 500 milhões de pessoas. O alerta atingiu, pois, todo o globo. Autoridades federais, regionais e locais, que estavam atônitas e não sabiam o que fazer passaram a agir em cascata: faziam o que os outros estavam fazendo, isto é, adotavam o lockdown, em vez de tentar descobrir o que acontecia nos países que estavam em bem melhores condições de infecção, na Ásia por exemplo. Principalmente na Europa e nas Américas, a ordem era “fechar tudo”: escolas, comércio, indústria e serviços. Alguns poucos discordaram, prevendo as graves consequências para a educação e economia, logo engolfados pelo clamor mundial. Para a imprensa (brasileira, com mais veemência) eram negativistas e genocidas.
Mas o especialista Neil Fergusson cometia o simples engano de pensar que a humanidade se comportaria como uma colônia de bactérias, ignorando sua racionalidade, sua capacidade de defesa e de adotar medidas de prevenção, desde que orientada. Cometia o erro dos especialistas: avaliar o todo pelos parâmetros do pouco que conhecia. Não era o primeiro erro de avaliação do “especialista” Neil Ferguson, cita o infectologista americano Steve H. Hanke. Em 2002, sua equipe, também vendo o Reino Unido como um aglomerado irracional, previra até 150 mil mortes pelo Mal da Vaca Louca. Morreram menos de 200. E em 2005, ele previu que até 200 milhões poderiam morrer da Gripe do Frango no mundo. A previsão se baseava num modelo numérico de comparação com a Gripe Espanhola. Não morreram 1.000 pessoas.
Mas o lockdown se instalou por toda parte, exceto em alguns países resistentes, e que nem por isso foram mais atingidos pela pandemia. A Suécia, que não fechou escolas, comércio ou fábricas, ficou em patamar de contaminação e mortes inferior aos países europeus que adotaram o rígido “fecha tudo”.
Nos Estados Unidos, um estudo da Universidade de Chicago mostrou que nos Estados que recusaram o lockdown, como a Flórida, houve o mesmo número proporcional de mortes que na Califórnia, onde o “fecha tudo” foi rigoroso. E as consequências dessa política de rigidez superficialmente avaliada foram – e ainda são – cruéis: enorme prejuízo no aprendizado, quebras, falências, desemprego, desabastecimento, falta de materiais e produtos elaborados, e agora inflação. Essa, a terceira e mais persistente falha no encarar a pandemia: uma política apressada e equivocada de paralização geral, que já provou sua ineficácia e que a cada dia prova sua falácia. Que sirva de lição.