O norueguês Jon Fosse e seu Prêmio Nobel de Literatura

12 novembro 2023 às 00h19

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Os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia) sempre se fizeram presentes na literatura europeia e mundial.
A coqueluche das mulheres da geração de minha mãe, lembro-me bem, eram os romances de Selma Lagerlöf, sueca, primeira mulher a ganhar o Nobel de Literatura (em 1909). O escritor goiano Bernardo Élis era leitor de “O Livro de San Michele”, do sueco Axel Munthe (1857-1949), e costuma recomendá-lo aos amigos e conhecidos.
A Suécia ostenta oito Prêmios Nobel de Literatura, a Noruega quatro, a Dinamarca três, a Finlândia um e até a pequena Islândia, um país com menos de 400.000 habitantes conquistou o seu.
Quando se fala em literatura universal, a Noruega está presente. O nome de Henrik Ibsen (1828-1906) vem, de imediato à memória, como o dramaturgo mais importante depois de Shakespeare.
E a conquista de quatro Prêmios Nobel de Literatura, para um país que tem pouco mais que 5 milhões de habitantes, é de se admirar. O último, de 2023, foi concedido a Jon Fosse, um romancista, poeta e dramaturgo de 65 anos. Não se trata de um desconhecido, pois detém prêmios importantes não só de sua terra e dos vizinhos escandinavos, mas também da França e da Alemanha.

Jon Fosse era quase desconhecido no Brasil, até que, premiado com o Nobel, teve duas obras suas traduzidas às pressas e editadas pela Companhia das Letras e pela Fósforo. A Tordesilhas foi a primeira editora a publicar um livro do escritor no Brasil. Trata-se de “Melancolia”, publicado no país em 2015.
Leio um desses dois livros, que tem o título de “É a Ales” (Companhia das Letras, 113 páginas, tradução de Guilherme da Silva Braga), que me chegou pela gentileza do amigo, engenheiro e historiador Salatiel Correia. É um breve romance, de pouco mais de 100 páginas, mas algo bem marcante, em termos de expressão literária. É um livro que nos dá umas sacudidelas, e dele nos lembramos em várias horas inesperadas do dia. Finalizado, dá vontade de relê-lo. Quando se pensava que nada de novo poderia surgir no gênero do romance, eis que o autor norueguês nos vem com algo original e surpreendente.
Sentimento de perda de um ente querido
Os personagens são poucos, e são da mesma família. O tema — e está aí a inovação do romance — é o sentimento de perda de um ente querido, algo tão íntimo e profundo que dificilmente se expressa em palavras. Mas Fosse o faz com mestria, usando as lembranças recorrentes de Signe, a personagem em torno da qual se move o romance.
Um casal, Signe e o marido Asle, vive próximo ao mar, à beira de um fiorde, na Noruega. Asle, remador por diversão, mandou construir um barquinho a remo, que usa para navegar pelo fiorde, e o faz mesmo à noite e com tempo chuvoso e frio, enquanto Signe o aguarda, na aquecida residência do casal.
Até que, de uma dessas excursões, Asle não regressa. Seu barquinho, encontrado encalhado à margem do fiorde, é testemunha muda de seu sumiço. Anos depois, o barquinho avariado será transformado em fogueira por dois garotos em busca de diversão e aquecimento, mas nem assim, com esse fim simbólico do objeto, a sugerir o fim de Asle, Signe se conforma com o desaparecimento.
E é em torno de seu profundo sentimento de perda, sua desesperança, que a ausência de qualquer conhecimento sobre o acontecido torna mais pungente, que gira a obra de Jon Fosse. O autor penetra as ficcionais reminiscências de Signe no mês de março de 2002, embora Asle tenha desaparecido numa noite de novembro de 1979, numa mensagem de que as cíclicas lembranças da personagem central são ainda vívidas décadas depois.
Essas lembranças — e relembranças — preenchem a obra, e nos fazem pensar sobre os sentimentos do amor e de sua perda, das relações familiares e de como elas nos marcam.
As divagações de Signe sobem a árvore genealógica de Asle vão até seu avô Olav e seu tio-avô Asle, de quem herdou o nome, afogado ainda garoto de 7 anos, em 1897. Vão ao seu bisavô Kristoffer (e Brita, sua companheira) e chegam à trisavó Ales (do título do livro), com seu amor pelo netinho que se foi ainda criança. As recorrentes lembranças de Signe mostram a permanência do amor e as consequentes dores da perda e da falta da pessoa amada, que assumem às vezes a vizinhança cruciante da dor física e da invocação erótica. Um mestre, esse Jon Fosse.