O nazismo bateu as botas. O comunismo ficou baleado, mas insiste em sobreviver e conta com filósofos para dotá-lo de oxigênio

O século 20 foi, sem dúvida, o século da ciência: do átomo, do espaço, das comunicações, da internet, da genética e tantas coisas mais. Mas foi também um período de barbárie: duas guerras mundiais, várias guerras regionais, a Guerra Fria, e duas tiranias, a nazista e a comunista, flagelos maiores que todos os outros. Sinal de que as marchas sociais podem ser nos dois sentidos: o do progresso ou o das trevas.

As guerras mundiais parecem afastadas: uma nova conflagração pode dizimar a humanidade. O nazismo desapareceu, arrasado pela derrota de Adolf Hitler, mas principalmente por outros dois fatores: sua brutalidade ficou tão visível, no Holocausto, que chocou o mundo inteiro; e o processo de Nuremberg mostrou a todos que um mundo livre também tem tolerância limitada. A democracia tem elementos para punir de forma exemplar quem desconhece os mais simples direitos do ser humano. O enforcamento dos remanescentes da cúpula hitlerista soou como um aviso até hoje ouvido.

Slavoj Zizek e, na parede, a foto de Stálin | Foto: Reprodução

O mesmo não aconteceu com a tirania comunista. A despeito de sua selvageria, mesmo suplantando a bestialidade nazista, torturando e matando dezenas de milhões de pessoas, o comunismo não morreu e nem mesmo foi constrangido no mundo livre. Sua mortandade foi difusa, não dirigida a um grupo social definido.

A princípio, aproveitando-se da tolerância do americano Franklin D. Roosevelt e do britânico Winston Churchill, o comunismo expandiu sua área de domínio pelo Leste Europeu, encerrando em sua posse várias nações que iriam experimentar, por meio século, um dos regimes mais brutais já surgidos na Terra. Dominou a China Continental, que de certa forma ainda domina, e tentou espalhar pelo globo sua doutrina. Salvo na pequenina Cuba, na Coreia do Norte e em alguns lugares inexpressivos, contudo, o comunismo não conseguiu se fixar.

A gigantesca massa de desinformação irradiada da União Soviética acabou por ser neutralizada pelo crescente poder de comunicação dos países mais desenvolvidos. O mundo passou a conhecer os horrores do regime: as prisões, as torturas, as execuções sumárias, os Gulag, o massacre de etnias e a perseguições das religiões.

Depois disso, a queda do Muro de Berlim e a revolta do Leste Europeu soaram como retumbantes derrotas para o marxismo, desnudado, ainda que apenas em parte. Tentativas de ressurgimento comunista surgem de tempos em tempos. O exemplo mais recente foi o do Foro de São Paulo, de 1990, que reuniu partidos marxistas e movimentos guerrilheiros de toda a América Latina, sob o tema de ganhar na América Latina, para o comunismo, o que havia sido perdido no Leste Europeu. Tal movimento teve um avanço considerável, antes de ser inteiramente desmascarado, fracassar onde se implantou e remanescer apenas na Venezuela, também em visível fracasso.

De tudo isso fica uma grande indagação: por que, a despeito de ser uma doutrina totalitária, genocida, brutal, reconhecidamente incapaz de atingir suas metas e levando a miséria onde se implanta, o marxismo ainda encontra tantos adeptos mundo afora?

A resposta é por demais complexa para ser dada aqui. Ademais, varia de lugar para lugar. Livros foram escritos por cientistas sociais, filósofos, historiadores, neurologistas e psiquiatras na tentativa de explicar, ao menos em parte esse desvio — pois é desvio buscar a tirania —, que persiste pelo mundo livre.

Falo em mundo livre, pois, nos países marxistas, os únicos entusiasmados pela doutrina são os da cúpula dirigente. Onde há menos comunistas é num país comunista, como mostram as quedas dos muros.

Lênin: o inspirador dos “novos” comunistas | Foto: Reprodução

O livro “A Mente Esquerdista”, do cientista americano Lyle Rossiter, é uma leitura interessante para quem se sente atraído pelo assunto. Embora científico, apresenta uma leitura no fundo até divertida para nós brasileiros, acostumados a aberrações ideológicas.

No Brasil, a tirania comunista tem simpatizantes em vários setores da sociedade: alunos e professores universitários, jornalistas, artistas, políticos, cientistas. Como a pílula dourada do comunismo é a igualdade entre os homens e seu progresso material e intelectual, esse propósito se torna muito palatável para o jovem revoltado com as desigualdades sociais. Ele o aceita antes da maturidade, sem indagar em que regime comunista já experimentado esse propósito funcionou.

Professores adorariam o Estado curatelar, que deles cuidaria a vida toda sem nenhum esforço adicional ao de viver. No comunismo tudo estaria ali como por mágica, ao alcance, do nascimento à morte: maternidade, creche, escola, vestimenta, alimentação, saúde, lazer, emprego, e até o caixão para o sepultamento.

“Artistas brasileiros são filhos de uma transa adúltera de Marx com a Coca-Cola”

Quanto aos jornalistas, só o professor Rossiter para lançar luz sobre as razões de sua simpatia pelo comunismo. Ou Freud. No regime, não há jornalista que escreva o quer, e até minta ao seu bel-prazer, como no Brasil. No comunismo, jornalista não é dono nem de sua caneta. O mesmo se pode dizer dos artistas, para os quais vale lembrar Roberto Campos: “Os artistas brasileiros, que adoram o comunismo, não sabem viver sem três coisas que só capitalismo proporciona: cachê em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês. São filhos de uma transa adúltera de Marx com a Coca-Cola”.

Roberto Campos: “Os artistas brasileiros, que adoram o comunismo, não sabem viver sem três coisas que só capitalismo proporciona: cachê em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês” | Foto: Reprodução

Já os políticos comunistas, no Brasil, podem se dividir em três classes: os idealistas, que ainda acreditam na igualdade, os débeis mentais, que não alcançam a extensão do fracasso doutrinário comunista, e os oportunistas, que por seu ativismo, julgam que pertencerão à classe dirigente de qualquer regime comunista que aqui se instale. Os cientistas entram na mesma classificação dos professores universitários.

A verdade, é que, ao contrário do nazismo, sempre há alguém buscando uma ressureição do comunismo, na espera de que uma nova tentativa da mesma experiência, dezenas de vezes fracassada, dê certo da próxima.

O filósofo neomarxista esloveno Slavoj Zizek, na revista “Piauí” número 34, de julho de 2009, escreveu um artigo especulando sobre as condições para o ressurgimento do comunismo. Começa citando um artigo de Lênin, de 1922, escrito logo após seu recuo da posição radical estatizante, e da implantação da abertura da Nova Política Econômica (NEP).

Lênin afirma que o comunismo tem sempre que recomeçar, como o alpinista que quase chegou ao topo da montanha, mas vê que seu caminho não permite galgar a última etapa: deve voltar ao sopé e começar do zero. Não importa quanto fracasse, recomeçar sempre é preciso. Zizek cita também o escritor irlandês Samuel Beckett: “Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor”.

Como as velhas bandeiras não mais entusiasmam, Zizek propõe que o comunismo adote novas, como a da preservação do meio ambiente, a da defesa do patrimônio genético, da propriedade intelectual do científico (segundo ele, uma mais-valia hoje apropriada pelas empresas empregadoras) e da livre circulação dos excluídos, implicando isso na derrubada dos “muros” separadores, que existem nas fronteiras americano-mexicana, israelense-palestina, na entrada da Europa para os refugiados muçulmanos e etc.

Na verdade, o comunismo internacional já adota essas bandeiras. Basta ver a pauta, em todo mundo, do jornalismo de esquerda. O fato é que o comunista, contrariado com a Lei da Gravidade, quer que experimentemos “ad infinitum” lançar uma pedra para o alto, na esperança de que um dia ela permaneça suspensa no espaço. Mesmo a custo de vidas e sofrimento. Francis Fukuyama, que afirmou o “Fim da história”, por não acreditar no ressurgimento comunista, é risível, segundo Zizek. Não o subestimemos (a Zizek, não a Fukuyama).