Máfia dos trópicos, PCC atua na Europa: as revelações de Lincoln Gakiya, o promotor destemido

29 janeiro 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
De Aveiro, Portugal — O leitor sabe quem é Lincoln Gakiya? Talvez não. Mas ele deveria ser conhecido por todo brasileiro de bem.
Lincoln Gakiya é um promotor público de São Paulo, e se dedica, já lá se vão 17 anos, a uma meritória tarefa: tentar coibir as ações do Primeiro Comando da Capital (PCC).
O Tribunal do Crime do PCC — possivelmente a maior organização criminosa da América do Sul — já emitiu uma sentença de morte contra Lincoln Gakiya, só não cumprida pela vigilância da Polícia Militar que escolta a ele e à família, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana.
Lincoln Gakiya foi responsável pela transferência dos líderes do PCC, como Marcos Camacho, o Marcola e Roberto Soriano, o Tiriça para presídios de segurança máxima, o que lhe valeu a sentença de morte do governo paralelo do tráfico.
O promotor é conhecido na Espanha e em Portugal, tendo dado entrevistas a jornais europeus, alertando para o problema que é o tráfico de drogas do Brasil para a Europa, e a ameaça de aumento de criminalidade nele embutida.

No dia 19 passado, foi entrevistado pelo “Diário de Notícias”, um dos maiores jornais portugueses. Deu importantes informações, que, por razões desconhecidas, raramente saem na imprensa brasileira.
Por exemplo: o PCC tem hoje cerca de 40 mil faccionados (há estimativas de números até maiores: fala-se em 112 mil membros). Isto só no Brasil, porque há membros em outros países, como Paraguai e Estados Unidos (e até na Europa). São soldados, que passam por uma espécie de “batismo” quando ingressam na organização, à qual juram fidelidade. Uma deserção ou falha que prejudique o PCC representa morte certa. São soldados armados e o armamento é abundante.
Na semana passada, a Polícia Militar paranaense apreendeu um veículo com 162 armas contrabandeadas do Paraguai para a facção, enquanto outros veículos escapavam.
Lincoln Gakiya falou da grande rentabilidade do negócio do tráfico: um quilo de pasta base de cocaína, que custa 1.200 dólares (6.200 reais) na origem (Colômbia, Peru ou Bolívia), é vendido na Europa por 35.000 euros (quase 200.000 reais). Essa lucratividade fantástica estimula os chefões do crime, tenta agentes públicos (e até chefes de governo) e permite absorver facilmente os prejuízos das apreensões (que as autoridades policiais estimam em 10%).

O PCC, fundado em 1993, tornou-se uma multinacional do crime, que além de operar no Brasil, a grande base logística de distribuição interna e externa da droga, opera também nos países produtores: o Paraguai (maior produtor de maconha), Bolívia, Colômbia e Peru (maiores produtores de cocaína). Nesses países, o PCC estabeleceu-se solidamente, com pessoal e capital, inclusive imóveis próprios. E já começa a se estabelecer na África, que passa a ser também, pela deficiência policial, uma base de apoio para a exportação rumo à Europa (o traficante Gilberto dos Santos, o Fuminho, foragido em 2009, operava e foi preso em Moçambique, em 2020).
O PCC se expande para Espanha, Portugal, Bélgica e Holanda, motivado pela alta lucratividade das vendas nesses países, onde alguns integrantes já foram identificados e presos.
Lincoln Gakiya tem informações da presença de ao menos 40 integrantes do bando vivendo em Portugal. No maior porto brasileiro, o de Santos, o PCC estruturou-se pela corrupção, e muitas vezes pela ameaça familiar e até assassinato de funcionários portuários.

Através de comparsas europeus, faz o mesmo nos portos de destino, garantindo o embarque e desembarque da droga. Mas alterna os embarques com outros portos, como o de Paranaguá, para dificultar as apreensões policiais. O PCC montou também uma estrutura de lavagem de dinheiro que as autoridades têm dificuldade de detectar e desmontar. Seu faturamento é estimado pelo promotor em mais de R$ 2 bilhões anuais, podendo mesmo chegar a R$ 3 bi, o que o torna uma empresa de grande faturamento, necessitando de um refinado sistema de movimentação e lavagem de ativos financeiros.
O promotor, naturalmente, não falou do comprometimento de governos latinos com o tráfico, e não só os dos países produtores. Venezuela e Cuba (e talvez a Nicarágua) já são sabidamente envolvidos em exportação de cocaína para os Estados Unidos, estando o FBI e a CIA empenhados na captura dos chefões para obter sua extradição e julgamento em território americano.
Até Nicolás Maduro, o presidente-ditador venezuelano, se sair de seu país corre o risco da prisão e extradição para os EUA.
Infelizmente, esses chefes têm muitas ligações políticas e conseguem se safar, ou pelo menos não serem extraditados. Um exemplo é o do general venezuelano (e ex-ministro de Hugo Chávez) Hugo Carvajal, vulgo “El Pollo”, preso na Espanha e prestes a ser extraditado pelo governo espanhol para os Estados Unidos. Quando se soube que ele havia financiado políticos espanhóis, inclusive um ex-primeiro-ministro (além de políticos italianos, argentinos e brasileiros) com dinheiro sujo da droga, não se falou mais em sua extradição.
O Brasil, por sua posição fronteiriça com os maiores produtores mundiais de droga e como ponto de passagem obrigatória para sua exportação, deveria ter um programa intenso de combate ao tráfico, envolvendo todo seu aparato policial e diplomático.
Sim, diplomático, pois não há como combater sem apoio dos países produtores e importadores tão séria ameaça. Essa situação geopolítica desfavorável, aliada ao descaso governamental que vem desde que Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo, responde pela alta criminalidade em nosso território. Apenas essa afirmação daria uma série de artigos de jornal.
Os policiais sabem dessa verdade, e mais sabem quanto mais velhos e experimentados. Os organismos policiais, de maneira mais ou menos estanque, são quem combate essa ameaça e não permitem que a situação se deteriore mais, e chegue ao caos, como aconteceu no Rio de Janeiro.
O brasileiro não sabe o quanto deve às Polícias Militares e Civis por livrarem esse combate e impedir que a criminalidade cresça ainda mais. Não sabe o quanto deve à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal pelo que fazem, apesar de seu pequeno efetivo. Se soubessem, os aplaudiriam todos os dias. Quanto ao Congresso e Judiciário, parecem não ter interesse pelo que se passa, pois não há ação desses poderes que seja de claro e efetivo apoio à ação policial. Muitas vezes até ocorre o contrário.
Muitos tinham a esperança de que as coisas mudassem com a mudança de governo. Não é o que está acontecendo.
No campo diplomático tudo aponta para uma aproximação com os governos comprometidos com o tráfico sem nenhum tipo de cobrança ou proposta de colaboração para combate a esse crime.
No campo jurídico, há enorme inércia, leniência mesmo, a que a legislação beneficia e não há sinais de que Câmara e Senado tenham o combate ao crime como prioridade.
A escolha do ministro da Justiça não foi de molde a melhorar esse combate. A formação de Flavio Dino é de comunista, e comunista anti-revisionista, isto é, soviética (ou viés albanês ou chinês), a mais atrasada delas. Nas primeiras ações já demonstrou isso: quer desarmar atiradores e caçadores, e 100% deles têm atestado de bons antecedentes e exame de aptidão psicológica, o que nem ele nem grande parte de seus colegas ministros ostentam. Nem fala em desarmar o PCC, quando 100% de seus membros são bandidos que nos ameaçam todos os dias, e capazes de tudo. Em sua cabeça, esses bandidos são vítimas do capitalismo e da sociedade. Ministro da Justiça deveria ser alguém como Lincoln Gakiya.