Livro de Antonio Tabucchi, “Afirma Pereira”, pode iluminar brasileiro a rejeitar regulação da imprensa

13 novembro 2022 às 00h00

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O italiano Antonio Tabucchi (1943-2012) é um escritor formidável. Falavam-me dele como um professor italiano, versado em Fernando Pessoa (e Carlos Drummond de Andrade) e que traduzira para sua língua várias obras do poeta português. Foi um dos escritores que se recusou o convite para o Festival Literário de Paraty, em protesto pelo abrigo dado por Lula ao assassino Cesare Battisti. O autor morreu aos 68 anos. Foi Edgar Welzel, que envia da Alemanha para o Jornal Opção suas argutas observações no Carta da Europa, quem me estimulou a ler sua novela “Afirma Pereira”.

Na época da indicação de Welzel, procurei “Afirma Pereira” em livrarias e sebos. Em vão. Nenhum exemplar em português — a edição da Rocco (com 128 páginas) está esgotada —, nem mesmo de qualquer edição portuguesa, o que me fez lembrar um professor de Geologia, de meus tempos de Faculdade. O professor chamava-se Francisconi (que a irreverência estudantil transformara em Frescalhoni), vivia irritado com a falta de livros técnicos em português e citava com frequência a sentença de um escritor patrício, não me lembro qual: “A língua portuguesa é o túmulo do conhecimento humano”. No Brasil, há algum tempo, há uma edição da Estação Liberdade, com 160 páginas e tradução de Roberta Barni. E há uma edição portuguesa da Dom Quixote.
Li o “Afirma Pereira” em espanhol. Nem se pode dizer que é um livro. É um opúsculo, uma pequena novela, mas encerra uma forte metáfora, tanto assim que foi traduzido em várias línguas e até filmado, em 1995, pelo diretor Roberto Faenza, com Marcelo Mastroianni no papel principal (o ator aparece na a capa da edição da Dom Quixote). Conta como um acomodado jornalista português, Pereira, viúvo de meia idade, que redige no final da década de 1930 o caderno cultural de um pequeno jornal lisboeta, e até então sem maiores preocupações com a censura, conhece um casal de jovens anti-salazaristas. E como desperta sua consciência libertária para um gesto de protesto. Não grandiloquente ou decisivo, mas o maior ao alcance da quase insignificância de Pereira. Os personagens da novela são poucos, mas são perfeitamente definidos e interessantes. Podemos vê-los em nossa imaginação: o auxiliar de jornalista Monteiro Rossi, a revolucionária Marta, o médico-filósofo Cardoso, o padre Antonio.

Resumindo, e fazendo metáfora de metáfora, Pereira é o beija-flor que se dispõe a ajudar no apagar o incêndio da floresta. Tabucchi era italiano, mas vivia, escrevia e lecionava entre a Itália e Portugal. Casado com uma intelectual portuguesa (de origem nobre), publicou vários livros, e escreveu em italiano e português. Era um defensor intransigente, como deixa claro em “Afirma Pereira”, da liberdade de expressão. Esse seu livreto (baseado em personagem real) é de enorme utilidade no Brasil de hoje, quando se insiste em “regular” a imprensa.
Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, foi eleito presidente da República no dia 30 de outubro deste ano. Entre suas linhas programáticas está a regulação da imprensa, que parece caminhar, alegremente, para o “matadouro”.
Ao menos até o momento, parece que há uma lua de mel entre o petista e a mídia. Até onde irá este amor, sublime amor, não se sabe. É provável que termine em divórcio — e, possivelmente, litigioso. Por enquanto, prevalece o mel, mas o fel pode estar a caminho. Afinal, TV Globo, “Estadão”, “O Globo”, “Folha de S. Paulo”, tidos como baluartes da liberdade de expressão, vão aceitar a regulação da imprensa? O mais provável é que não, pois não são “suicidas”.
(De Tabucchi a Editora Rocco e a Editora Cosac Naify publicaram “Está Ficando Tarde Demais” e “O Tempo Envelhece Depressa”.)