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Vejo, nos jornais, algumas notícias alvissareiras com respeito à luta anticorrupção. Mas, antes que o leitor se anime e se alegre, esclareço que estou em Portugal, e me refiro a jornais portugueses e de outros países da Europa.

Do Brasil, o que leio, por mais irreal que pareça, é o contrário. Um empenho, nos mais altos escalões, para que a desonestidade viceje. A Operação Lava-Jato, a única batalha efetuada com êxito (inicial) contra ladrões poderosos, está desmontada.

Sérgio Cabral: assalto aos cofres públicos e o prêmio da liberdade | Foto: Reprodução

Prende-se um cacique inimputável, prende-se um pastor religioso, que no fundo protestavam – e só isso – contra a prevalência da corrupção, ao mesmo tempo em que se liberta um ex-governador, que foi condenado a quatro séculos de prisão… por corrupção.

Um excelente artigo do experimentado jornalista J. R. Guzzo, no “Estadão” da semana passada, traz afirmações como essa: “Todas as decisões do Supremo, atualmente, absolvem, favorecem ou tiram acusados de corrupção da cadeia… a propósito, acabam de soltar o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a 425 anos por corrupção confessa; votar nele, disse Lula da Silva, era um dever moral”. Não há como não concordar com Guzzo, e nem me atrevo a comentar essas coisas por aqui.

A prisão de Eva Kaili, lobista do Qatar

As manchetes dos principais jornais da Europa falam da vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili e seus, digamos assim, escorregões éticos. Que consistiram em receber suborno do Qatar, para exercer lobby em benefício do país no euro-parlamento.

A bela deputada grega (as mulheres bonitas fazem as notícias ficarem mais atrativas), cujo comportamento muito protetor para com o Qatar já vinha despertando suspeitas, foi flagrada transportando uma mala de dinheiro quando saía do país, cuja origem não soube explicar.

Investigações preliminares já apontaram suborno e “branqueamento de capitais” (lavagem de dinheiro, aqui) envolvendo o marido da deputada e assessor do Parlamento Europeu, o italiano Francesco Giorgi, um ex-deputado italiano, Antonio Panzeri, o líder sindical, também italiano Luca Visentini e o pai de Eva Kaili.

A justiça belga (Bruxelas é a sede do Parlamento Europeu) e o Parlamento agiram rápido e com energia. Deveriam servir de exemplo para … deixa para lá! Todos estão presos, à exceção do pai da deputada. Eva perdeu o cargo de vice-presidente e o mandato de deputada do Parlamento Europeu, teve todos os seus bens bloqueados, e segue presa, enquanto prossegue o inquérito.

São também investigados dirigentes de duas ONGs (sempre elas), a Fight Impunity, presidida pelo ex-deputado Panzeri e a No Peace Without Justice, pretensamente defensoras de Direitos Humanos e Transparência Governamental na África e no Oriente Médio.

Eva Kaili vinha defendendo por demais ardorosamente os interesses do Qatar no Parlamento, inclusive na escolha do país para sede da Copa do Mundo e na venda de gás para a Europa. Já havia elogiado as leis trabalhistas do país, o que causou estranheza, pois, na construção dos estádios para a Copa, teriam morrido cerca de 3 mil operários, por deficiência de segurança. Explica-se a razão de tanto empenho.

O professor que combate a corrupção em Portugal

André Correa d’Almeida: um combatente da corrupção em Portugal | Foto: Reprodução

Outro fato que é notícia por aqui:

André Correa d’Almeida, embora conhecido em Portugal, não se tornou figura famosa fora daqui. Deveria ter se tornado, e já digo o porquê.

No Brasil, acostumamo-nos a identificar o termo ONG (Organização Não Governamental) com malandragem. Principalmente nos últimos tempos, essas entidades pertencem a duas categorias, com raríssimas exceções: ou são, embora não-governamentais, ávidas aproveitadoras de dinheiro público, o que é um contrassenso, além de malandragem. Ou são entidades financiadas por outras entidades, estas estrangeiras, cuja atividade pouco ou nada tem a ver com os interesses nacionais. O que também é contrassenso e malandragem.

Aqui entra o português André Correa d’Almeida. Formado em economia pela Universidade de Lisboa e doutorado nos EUA pela universidade de Denver, Colorado, André é hoje professor na prestigiada Universidade de Columbia. Mas não se desligou de sua terrinha natal.

Preocupado com a corrupção em Portugal, fundou em 2020, ainda nos EUA uma ONG, mas uma ONG verdadeiramente edificante. Chamou-a All4Integrity (Tudo pela integridade). E através dela busca meios de combater a corrupção em Portugal. Conseguiu alguns patrocínios e criou um prêmio para distinguir figuras ou entidades que se destaquem pelo combate ao desvio de dinheiro público. “A corrupção é a principal causa da pobreza de milhões de portugueses”, afirma André. Verdade, André, e não só para portugueses.

Pelo segundo ano consecutivo, a ONG de André premia figuras que se destacaram no combate à corrupção em Portugal, sejam estudantes, empresários, advogados, repórteres investigativos ou outros. Tem apoio de várias áreas públicas e privadas, inclusive da Presidência da República portuguesa.

André denominou a medalha que criou como Prêmio Tágides, numa evocação à tradição lusitana. Vai aqui a curiosidade histórica: em 1545, o poeta André de Rezende criou o termo Tágides. As Tágides seriam a versão portuguesa das nereidas, as ninfas das águas da mitologia grega. As Tágides habitavam o Rio Tejo e dirigiam seus encantos e proteções exclusivamente para as terras portuguesas e seus habitantes. Camões, ao início dos Lusíadas, invoca as Tágides para que lhe deem inspiração. Essa invocação aparece logo no início do poema e é retratada num belíssimo quadro do pintor realista português Columbano Bordalo (1857-1929), quadro que hoje está no Museu de Vizeu, 300 km ao norte de Lisboa.

Vivendo nossa terra um ambiente quase que de cleptocracia, é com admiração, mas com inveja, que vejo, como brasileiro, essa iniciativa portuguesa. A inveja cresce, ao ver que se somam a ela, os esforços de políticos, como o próprio presidente da República, da imprensa e do empresariado portugueses, entes que no Brasil, em boa parte, lavam as mãos, quando não se acumpliciam. Num bom sentido, claro, quanta inveja.

Isabel dos Santos tem bens arrestados em Angola

Isabel dos Santos: uma doutora em corrupção | Foto: Reprodução

E a CNN portuguesa acaba de anunciar o arresto dos bens de Isabel dos Santos, a “mulher mais rica da África e de Portugal”, a filha do ex-ditador de Angola por quase 40 anos, recentemente falecido, José Eduardo dos Santos.

Já falei dela aqui, em outras ocasiões. O arresto vem da Suprema Corte de Angola e atinge contas bancárias e participações empresariais de Isabel dos Santos no país africano, em Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Isabel, desde que seu pai saiu do governo, em 2017, está foragida em Dubai. O arresto chega a 1 bilhão de dólares. O STF angolano está de parabéns.

Alexandra Reis, diretora da TAP

Alexandra Reis, diretora da TAP: indenização em debate | Foto: Reprodução

E mais uma derrota da corrupção, em Portugal: Alexandra Reis, uma diretora da TAP, a companhia aérea portuguesa, que é estatal, reformou-se e recebeu uma indenização de meio milhão de euros.

A repercussão foi enorme, com a TAP e o governo sendo cobrados em todos os jornais e televisões pelo abuso do dinheiro público (aqui a imprensa não compactua com esse tipo de coisa). Até o presidente Marcelo Rebelo de Souza foi publicamente cobrado por manifestantes, para que anule o ato.