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Salvo um breve contato em um jantar, há quase uma década, não conheço o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, de 77 anos, condenado agora a 21 anos de cadeia pelo STF. A despeito disso, posso avaliar como ele se sente neste momento. Como assim? — perguntará o leitor.

Ocorre que tenho vários amigos que são militares, como o general Heleno. Comungo com eles, até por minha criação, os valores de amor à Pátria, justiça, honestidade, respeito ao bem público, valorização da família e outros mais. Por bem conhecê-los, sei como se sentiriam se passassem o que passa o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Até posso, de certa forma, sentir por mim mesmo. E tentar transmiti-lo aos leitores.

Antes, uma pequena digressão: o general Heleno teve uma carreira de destaque no Exército Brasileiro. Sua carreira militar começa no berço, filho de militar que é.

Nascido em 1947, em Curitiba, aos 12 anos de idade ingressou no Colégio Militar do Rio de Janeiro e aos 22 anos graduou-se na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), onde foi instrutor, ainda como tenente.

Aos 31 anos terminou o curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e aos 39 terminou o curso da Escola de Comando e estado Maior do Exército (Eceme), onde foi o primeiro da turma.

Com 42 anos era tenente-coronel e com 47 era coronel. Foi promovido a general-de-brigada aos 52 anos, a general-de-divisão aos 56 e general-de Exército aos 60.

Serviu no gabinete do ministro do Exército Sylvio Frota, como ajudante de ordens (era capitão) e no do ministro Leônidas Pires como assistente (era tenente-coronel).

Augusto Heleno foi chefe de gabinete dos comandantes do Exército Francisco Albuquerque e Enzo Peri (era general de brigada). Comandou a Escola Preparatória de Cadetes do Exército entre 1994 e 1996 (era coronel).

Serviu várias vezes no exterior: em 1981 no Paraguai (era major), na França, como adido militar (era coronel) em 1996 e em 2004 no Haiti, quando, como general-de-brigada, comandou a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah).

Na mesma patente, comandou a 5ª Companhia de Infantaria Blindada, o Centro de Capacitação Física do Exército e o Centro de Comunicação Social do Exército.

Foi comandante militar da Amazônia (2007) e diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército (2009) quando general-de-Exército.

Em 2011, passou para a reserva, mas ainda ocupou duas funções importantes: diretor do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e, finalmente no governo Bolsonaro, em 2019, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). Ao entregar o posto e se aposentar, teoricamente, em 2022, tinha mais de 50 anos de bons serviços prestados ao Brasil, com eficiência e honestidade. E veio a tempestade.

Já no governo Bolsonaro, o general Heleno viu que seu chefe não era muito assessorável.

Presumo, pelo perfil do general, que mais de uma vez tenha advertido seu chefe para manter sua autoridade, quando não a respeitaram (como quando os órgãos de informação e policiais não descobriram quem foi o mandante da facada que levou e quando o ministro Alexandre de Morais impediu que nomeasse o chefe da Polícia Federal), mas viu seus conselhos ignorados.

Posso imaginar sua indignação, ao ver que do Supremo Tribunal Federal vinham ações, primeiro para anular as sentenças que pesavam sobre Lula da Silva, sem negar provas de sua condenação por nove juízes de três instâncias, e retirá-lo da cadeia, onde cumpria pena, para depois para facilitar sua candidatura à Presidência, a ponto, de, após as eleições, um ministro daquela corte se regozijar publicamente: “Derrotamos o Bolsonarismo”.

Um processo aberto pelo ministro Alexandre de Morais, após o quebra-quebra no 8 de janeiro de 2023, investigou e julgou centenas de pessoas simples, que haviam participado da baderna e as condenou a penas severíssimas, algo inusitado no Brasil, fato que vários juristas de peso condenaram como inconstitucionalidade e desvio político da Corte.

O processo também desabou sobre as maiores autoridades, militares principalmente, do governo Bolsonaro. A alegação foi de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta de Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e dano ao patrimônio da União.

O general Heleno acabou respondendo por tudo isso, e foi condenado a 21 anos de prisão, algo equivalente a pena de prisão perpétua, dada a idade do acusado, e a despeito do único juiz de carreira ininterrupta na Corte (Luiz Fux) ter discordado inteiramente do processo.

Jari Bolsonaro e Augusto Heleno: o general serviu ao governo do líder do PL | Foto: Sérgio Lima

Voltemos ao início deste arrazoado: como se sentirá o general Heleno após tudo isso? Como reage internamente à sua condenação? Pode-se deduzir:

1

Sentir-se-á injustiçado, ao ver se agigantar diante de si e condená-lo a pena tão severa, um STF que vem, em série, anulando penas de corruptos conhecidos e confessos e livrando empresas que se locupletaram de dinheiro público em esquemas até internacionais de corrupção, anulando suas devoluções de dinheiro público roubado e suas multas.

2

Vai se sentir confuso por não ter na consciência o peso de ter participado de qualquer organização criminosa ao longo da vida, e não ter visto, nas reuniões que fez, qualquer associação armada visando alguma coisa ilegal, muito menos extinguir a democracia por aqui.

Terá discutido talvez sobre uma maneira legal de impedir a posse na Presidência da República de um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro que não foi inocentado, mas não a encontrando, ou sabendo que ela não prosperaria no STF, não terá a ela dado sequência. Onde as armas do pretenso golpe, que nunca apareceram? — perguntará.

3

Vai se sentir revoltado, ao ver que toda uma carreira irrepreensível, com mais de 50 anos dedicados ao Brasil, pode ser apagada por um processo frágil em que é mais vítima que réu, sem provas concretas, além de um depoimento de um ajudante de ordens presidencial mudado uma dezena de vezes, e que se alega obtido sob pressão.

A revolta terá aumentado ao ver que o processo foi contestado até por um auxiliar direto do ministro relator, que se demitiu e buscou a imprensa (Eduardo Tagliaferro), e por um ex-ministro da Corte (Marco Aurélio Mello), publicamente.

4

Vai se sentir apreensivo, ao ver que, além de tudo, corre o risco da suprema humilhação de perder a patente, em um Supremo Tribunal Militar que tem a aparência de estar, também, sendo aparelhado e contaminado pelo bacilo da política — e da má política.

5

E vai, sem sombra de dúvida, sentir o peso do abandono por seus colegas de farda que têm voz e que se calaram quando se tratou de defendê-lo.

O silêncio das altas patentes das Forças Armadas, que nunca questionaram os discutíveis (no mínimo) caminhos do processo, deve rasgar uma ferida no coração do general Heleno.

Bem funda, porque vozes que se levantaram em protesto foram de colegas de seu algoz, e não de seus colegas de farda. Foram o ministro Fux e o ex-ministro Marco Aurélio, e não o Comandante do Exército e o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas (Emfa) que denunciaram e protestaram contra os erros processuais.

Assim deve estar se sentindo o general Augusto Heleno: como um velho soldado ferido, caído e abandonado no campo de batalha, enquanto seus camaradas fogem em debandada.